Os longos corredores da escola permaneciam escuros, nenhum som se atrevia a quebrar o silêncio fúnebre presente. Adversamente, centenas de estudantes redopiavam na dança da ignorância, no salão, como se fizessem um ritual para transformar a sua, por enquanto, maleável estupidez, eterna. Festejavam o final do ano escolar, mesmo sabendo que a maioria não passaria para o próximo nível, comemoravam com felicidade o fato de irem reprovar. A ironia tornava a atmosfera críspida. Os meus saltos altos feriam o chão, enquanto eu caminhava lentamente, apreciando a escuridão quase total, sendo desafiada por uns fios de luz vindo das janelas. O silêncio não reclamava para o tinido agudo que eu causava. Um sorriso rasgou os meus lábios, até ele se submetia a mim. O poder enchia as minhas veias, o sangue se tornando inútil. Esta seria a noite. Hoje seria o fim deste ciclo tenebroso. Abri a porta do banheiro e fiquei encarando o espelho, observando o meu reflexo que havia sido iluminado pela luz fraca. Passei os meus dedos pelos meus longos cabelos, me orgulhando da minha beleza. O meu batom estava impecável e o vestido se ajustava perfeitamente. Os meus olhos estavam enfatizados pela máscara, realçando o seu tom alaranjado. Eu havia sofrido uma metamorfose, me transformando numa serpente faminta por vingança. Haviam decidido que a última festa deveria ser um baile de máscaras, quando soube, a adrenalina me afogou completamente. Não poderia ser mais perfeito. Depois de um ano sob um disfarce, eu iria me revelar, enquanto os outros estavam mascarados.
— Aí está você! Nós estávamos te procurando pelas salas todas. — Ana falou agitadamente, evidenciando o seu teor de alcóol. Balancei a minha cabeça com vergonha, aquelas pessoas eram cegas de plena idiotice.— O que você está fazendo? —Se focou nos meus olhos. Sorri e me aproximei, sendo mais alta do que ela e observando a sua vulnerabilidade. Coloquei uma mecha de cabelo que havia caído do seu penteado, atrás da sua orelha e murmurei:
— Nada.
Ela ruborizou e balançou as suas pestanas, provavelmente, numa tentativa falha de me seduzir. Ri alto, não me controlando e empurrei o seu corpo, ultrapassando-a.
— Vamos, está na hora do espetáculo.
Ela se juntou a mim, caminhando grotescamente pelo corredor. Me abriu a porta e adentramos o salão. A música repercutia pelo local, o vidro frágil das janelas vibrava com temor, as paredes ampliavam o ruído e as pessoas que gritavam as letras, apenas, amplificavam. Havia um palco, onde vários cantores populares cantavam e no centro, as pessoas se reuniam dançando agarrados uns aos outros e as luzes deslizavam pelo público. Os seus disfarces eram os de sempre: gata sexy, bombeiro sexy, policial sexy e assim vai. Revirei os olhos, o seu comportamento era tão comum que, mesmo se eu não fizesse nada, outra pessoa faria. Era insuportável a sua monotonicidade, porém, tinha de ser eu. Eles inspiraram a maldade dentro de mim e era o momento de descobrir o que haviam feito. Os alunos da minha classe apressadamente se aproximaram de mim, me inundando de atenção, novamente - o habitual. Sorri para eles, transmitindo exatamente o que eu almejava e me digiri ao palco, visto que a meia noite se aproximava.
— Então, linda! — O cantor falou, parando de cantar ou o que quer que fosse que ele estava tentando fazer.
— Oi! Eu vou apresentar algo para a escola inteira e é à meia noite, gatinho. — Pisquei o olho, me colando no palco, aumentando o meu decote. O seu olhar desceu desejosamente e ele lambeu o lábio inferior. Um arrepio de nojo percorreu pelo meu corpo. Como se ele fosse digno de mim.
— Tudo por você. — Piscou o olho de volta e me auxiliou a subir, me entregando o microfone. Bati algumas vezes, querendo a atenção de cada estudante. Os meus supostos amigos gritavam de alegria o meu nome, completamente sem consciência do que aconteceria.
— Boa noite. — Mil e um assobios ecoaram. — Eu gostaria de mostrar algumas fotografias, em honra desse pessoal fantástico que é da minha escola! - Falei com entusiasmo e todos vibraram. Liguei o televisor enorme que estava preso à parede e sorri. O powerpoint que eu havia feito, ficava dez segundos em cada fotografia, para eles ficarem com as imagens costuradas em suas retinas permanentemente.
Bianca e Luíz namorando.
Bianca beijando o Matheus.
Bianca e Luíz brigando.
Luíz batendo na Bianca.
Ana namorando com o Luíz.
Ana nua com o Pedro e o Ricardo.
André beijando o Carlos.
O público se silenciava cada vez mais a cada fotografia e as brigas se iniciavam. O alcóol e o rancor disfarçado de amizade tomando lugar, se manifestando como uma besta raivosa. Eu continuava sorrindo a cada fotografia, ignorando cada insulto e tentativa de me criticarem. Eu nunca falei que era boa pessoa. Eu nunca admiti que era amiga de algum deles. Eu nunca prometi lealdade. Muito menos, os machuquei sem motivos. Eles o fizeram. Eles cometeram esse pecado, dia após dia. Iludindo uns aos outros. Machucando para além do reparo e ignorando as suas próprias ações, pois se reconsiliaram em alguma rede social. E cada um deles fez isso comigo. Me fizeram confiar em vão e me humilharam. Eu já fui leal a cada um deles. Já protegi cada um. E eles menosprezaram o meu afeto e confiança, só porque puderam. Sem razão alguma. E agora, que eu sou quem eu sou, que eu sou popular, que eu conheço cada um deles, eles me adoram? Confessam o quanto me amam, o quanto sou especial? Já houve um dia em que eu acreditei e os agradeço por me ensinarem a nunca mais ser como eles. Pensar que uma amizade é verdadeira, só porque o falam.
Cada um merece as consequências que irão ter, após essas fotografias.
— Vou bater nesse guri! — André gritou, olhando para mim. Os meus sentidos ondularam, a minha mente começou a me avisar que estava na hora de eu ir embora. Afinal, o meu perfeito corpo não merece que algum hipócrita tente me ferir, só porque revelei cada um de seus segredos. Desci as escadas do palco rapidamente e peguei a minha bolsa, aprofundando o corredor novamente silencioso, contudo, desta vez, apunhalando o silêncio com os meus passos alvoroçados. Eventualmente, cheguei à porta que me levaria ao exterior e eu era capaz de ouvir a multidão correndo atrapalhadamente atrás de mim. Olhei para os dois lados e retirei os meus saltos, indo pelo lado esquerdo, como havia planeado. Comecei a correr pelos arbustos que machucavam as minhas pernas nuas, me focando no final do caminho, no entanto, ouvi alguém extremamente perto e tropecei no susto. Gemi de dor, ao tocar no meu tornozelo e me apercebi da sombra que estava em cima de mim. Me virei lentamente com receio de quem seria, todavia, jamais demonstraria fraqueza perante alguém. Uma mão coberta por uma luva negra se estendeu e eu considerei a ideia de aceitar. Enquanto refletia no que fazer, eu vi um pequeno colar no pescoço do desconhecido à minha frente, com a letra "C" avermelhada balançando. Arregalei os meus olhos e toquei no meu colar, que possuía o mesmo "C", em tom cinza. Lágrimas escorreram pelas minhas bochechas e ela soltou um pequeno riso, me levantando.
— Eu presumo que tenha cumprido o seu objetivo. — Falou com a serenidade de sempre, em tom baixo. Um grito de felicidade ficou preso na minha garganta e me agarrei a ela, com todas as minhas forças, sentindo o seu cheiro, o seu toque. Sentindo toda a sua existência.
E presa naquele conflito, envolvida em hipocrisia, rancor e falsidade, eu fiz algo que nunca pensei fazer.
— Eu cumpri o meu objetivo.
Porém, não era o objetivo de me vingar, nem de humilhar aquelas pessoas que estavam condenadas a serem iguais até às suas mortes.
— Boa noite, Luna.
Cumpri o objetivo de encontrar a minha irmã.
— Boa noite, Sol.
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União
Teen FictionUnião é o ato ou efeito de se unir duas ou mais partes distintas. Uma união pode acontecer de diversas formas, como a ligação ou combinação de esforços e pensamentos para um bem comum e é exatamente sobre isso que esta história é sobre. Sol e Luna s...