A lei dos corpos em queda afirma que todos os corpos caem com aceleração constante, uma vez que o efeito da aceleração gravitacional, ou seja, da gravidade em todos os corpos, à mesma altura, é igual e apesar de eu não desejar contestar o genial Galileu Galilei, eu não conseguia interpretar esta lei. Não sabia como utilizá-la para aquele momento. Pois, para mim, aquela queda não fora igual às outras. O seu corpo não caíra com aceleração constante, a gravidade do seu corpo se transformando em algo nulo e a altura fora apenas um pequeno detalhe acidental. Todavia, adversamente aos matemáticos e físicos, cujos olhos brilhavam pela sabedoria absoluta e ansiedade pela conclusão da curiosidade, eu não havia feito um teste experimental. Não havia sido um ensaio em prol da raça humana que necessitava constatar isto. Muito menos, fora uma tentativa de aprender algo, visto que o que eu havia aprendido e preparado para esta prova, já havia sido há muitos anos, aliás durante muitos anos. Talvez, fora a minha cobaia que aprendera algo. Respirei fundo, absorvendo o ar contaminado que poluía o interior do meu vulnerável corpo, tentando obter a coragem que carecia para lidar com aquela situação peculiar. Na verdade, desde há três anos, não tão peculiar assim. Lembranças do inicio vaguearam pela minha mente, abanei a cabeça, tentando expulsar esses pensamentos. Vagarosamente, desci o meu olhar para o final da minha experiência e curiosamente era só isso que eu era capaz de observar. O final da minha experiência. O seu fim. O desfecho de sua tentativa de vida — falha — que implorou e desafiou por um cientista louco e carente de respostas. Neste caso, eu não era uma cientista, porém eu cumpria perfeitamente os requisitos necessários para iniciar e encerrar esta avaliação. Soltei um riso, em choque com os meus pensamentos. Como eu podia me comparar a um cientista, se eu havia facilitado pela misericórdia a minha pobre e inútil cobaia de uma vida dolorosa? Como eu podia me satisfazer com o fim, se ela não merecia sequer isso? Quando ela deveria ter estado cativa numa jaula, apenas aguardando a sua vez de ser dissecada, ela estava livre. Completamente livre. Livre de dores, responsabilidades, de traumas eternos. E fora eu que havia lhe dado, de mão beijada, o seu alívio. Resumindo, eu havia falhado. E um cientista não o faria. Um bom cientista não o faria. Ele iria estimar a paciência, pelo resultado duradouro e eficaz que obteria. E eu apenas me descontrolei. Ignorei todos os avisos que berravam a plenos pulmões para eu evitar este castigo que faria a mim própria, julgando ser superior do que as suas reflexões. Já que no final, do seu final, nem um pouco merecido, nem um pouco esforçado, eu havia contemplado a minha perca de controle e jamais poderia receber uma segunda chance de parar. De controlar. De receber todos os meus prêmios me parabenizando pela minha fantástica, esplêndida — com ponto de exclamação! — espera pela decorrência e consequência do meu pequeno roedor que havia sido abusado e usado para o meu contentamento. Isso jamais aconteceria. Os cientistas loucos e carentes jamais partilhariam essa satisfação comigo. E isso, eu merecia.
— Meu Deus! — Uma voz familiar gritou. Voltando a focar na realidade injusta, eu me apercebi no aglomerado de pessoas que cercavam com abalo o fim que eu havia causado. Recuei da posição de onde eu estava, na varanda e mirando a quimera que decorria, e entrei dentro da velha casa apressadamente, instruída para o teatro que se seguiria. Desci as escadas, segurando a ponta do meu vestido, cuja cauda longa almejava a minha queda — a ironia sufocava na minha garganta. Caminhando calmamente até à porta que me levaria ao exterior, um barulho captou a minha atenção, me fazendo ir atrás da sua fonte. Abri morosamente a porta da cozinha e a cena aconteceu pausadamente, segundo por segundo.
O copo deslizava lentamente pela sua mão macia, mão que havia me feito tanto carinho. A sua queda — tal como afirma a lei — fora igual à outra. No segundo em que estabeleceu contato com o chão rijo e inflexível, bastando apenas um mínimo toque entre a sua ponta e o chão em si, todo o copo ficou condenado eternamente. Se estilhaçou imediatamente, como se veias sangrentas furassem o material, até à sua base. A partir daí, não foram capazes de mergulhar mais na matéria frágil. Os fragmentos saltitaram e rodopiaram pelo corpo que se estendia no chão, como se o decorassem. A base do copo se manteve unida, o resto havia se apartado pelo palco da cena. Retomando ao tempo normal, eu corri até ela e um grito partiu do meu corpo. O horror aquecia as minhas bochechas, fechava a minha garganta, pesava os meus membros, embrulhava o meu estomâgo e o pior, era o fato dele me implorar para eu desistir.
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União
Teen FictionUnião é o ato ou efeito de se unir duas ou mais partes distintas. Uma união pode acontecer de diversas formas, como a ligação ou combinação de esforços e pensamentos para um bem comum e é exatamente sobre isso que esta história é sobre. Sol e Luna s...