Capítulo 1 - Nathalie

22 3 1
                                    

Nathalie

Acordei com a sonolência das seis da manhã. O despertador tocando foi desativado quase instantaneamente. Obviamente eu não queria sair da cama, mas sabia que era necessário levantar para ir trabalhar. Senti em meus pés minha bolinha de pelo favorita e pensei que poderia enrolar mais alguns minutos, quando ouvi a porta batendo. 


- Levanta! 


A voz de Clara não era das mais agradáveis de se ouvir, uma voz grave e grossa para uma mulher que estava em seus 60 anos de idade. Nem parecia ser idosa. Ela tinha o costume de reforçar o meu alarme para que eu saísse logo do quarto e a desse abertura para arrumar. Eu não queria levantar, me sentia colada à cama e apaixonada pelo meu travesseiro.

Dei um pequeno suspiro matinal e estiquei meus braços para cima. Como resposta ao movimento do meu corpo, Melinda acordou e logo se pôs de pé. Era óbvio que a pequena maltês já estava pronta para passear. Quisera eu poder acordar com tal disposição todos os dias.

Levantei da minha cama e passei a ouvir mais vozes vindo de fora do meu quarto. Esfreguei meus olhos e abri a porta do meu quarto. Duas de minhas irmãs já estavam de pé, o que significava que eu seria a última a poder usar o banheiro, mas o pior era que já estavam brigando no corredor. As seis da manhã.

Observei Flora virar os olhos enquanto Poliana gritava com ela sobre algum batom que havia sumido. Não era comum minhas irmãs discutirem por qualquer motivo, o que não era comum dado que as duas eram adolescentes e costumavam ficar em seus cantos.

Vendo tal situação, eu sabia que os nervos estariam a flor da pele. Também sabia que eu precisava fazer algo se quisesse que as vozes diminuíssem para um tom aceitável para aquela hora da manhã. Se é que existisse algum tom aceitável.


- Eu não peguei o seu batom. 


Respondeu Flora em tom monótono. Observei minha irmã de quinze anos claramente indiferente ao problema, mas irritada por ser acusada. Seus cabelos castanhos longos estavam soltos e chegavam a sua cintura, seus olhos castanhos fitavam minha outra irmã com superioridade e seu rosto transmitia uma fisionomia pacífica. Ela não gostava de mostrar que estava sendo afetada por qualquer coisa negativa.

- Não pegou não! Ele criou pernas e saiu andando pela casa até chegar no seu quarto, não é?!

Gritou Poliana com rancor em seus olhos e sarcasmo em suas palavras, enquanto apontava o batom vermelho próximo ao rosto de Flora. Seu cabelo liso escuro estava enrolado em bobs, o que me fez sorrir por um breve momento. Ela havia acabado de completar seus dezoito anos e iria tirar a foto para a sua habilitação no período da tarde. Provavelmente estaria impecável, pois ela não gostava de sair em fotos sem que estivesse maravilhosa.


- Acredite. Se EU tivesse este mal gosto, eu compraria meu próprio batom vermelho. 


Responde Flora ainda em seu tom monótono. O rosto de Poliana começa a aderir a um tom rosado, o que salienta suas sardinhas e seus olhos castanhos escuros. Visivelmente com raiva e prestes a 'explodir' se assim posso dizer. Olho para a ponta oposta do corredor e percebo que Priscila mantém sua porta fechada. Conhecendo a caçula, ela nunca perderia qualquer briga entre as suas irmãs mais velhas. Principalmente uma que parecia ter saído de um sitcom.

Atravesso as duas briguentas e me dirijo ao quarto de Priscila. Bato em sua porta e abro uma fresta. Vejo que a luz está acesa, então abro completamente e encontro a pequena sentada na ponta da cama, de boca semi aberta, olhando para a parede.


- Ainda não acordou? 


Pergunto para ela em tom de zombaria. Minha irmã costuma ter muita energia de manhã, mas isto acontece após um período de dormência dela, onde seu corpo está acordado, mas seu cérebro ainda está sonhando. Sempre achei fascinante e cômico sua maneira de acordar.


- Porque elas estão brigando, Nath?

Perguntou a pequena de nove anos enquanto esfregava seus pequenos olhinhos castanhos esverdeados. Seu cabelo castanho estava todo bagunçado, mesmo ela o mantendo curto para não ter que cuidar tanto. 


- Acho que por causa de algum batom. Você não teria nada a ver com isso, não é? 

Respondi e observei a reação de Priscila. Suas mentiras não eram das melhores e ela se entregava só com o olhar. Priscila cobriu seus olhos e suas sardas com as mãos e balançou o corpo de um lado para o outro. Agora ela estava bem acordada e ansiosa.

- Eu não. Se ela deixou o batom na mesa, não é culpa minha que ela perdeu. Provavelmente a Melinda pegou e deixou em outro lugar.

Priscila me respondeu e cobriu o resto de seu rosto com as mãos. Ela era bem transparente, então as evidências não poderiam estar muito longe. Circulei meu olhar pelas redondezas de seu quarto rosa. No chão, abaixo de sua penteadeira de boneca, encontro uma figura familiar com batom vermelho recém passado. Pego a boneca favorita de minha irmãzinha, passo meu dedo em seus lábios avermelhados e vejo que vestígios permanecem nele.


- E a Melinda deve ter achado que a Emily precisava de um batomzinho pra sair de casa hoje, não é?

Questionei Priscila com um tom brincalhão. Priscila reflete por um breve momento e compreende que foi flagrada. Remove suas mãos do rosto e com um sorriso torto, ela cede e revela a verdade.


- Eu peguei sim, Nath, mas esqueci no quarto da Flora enquanto escolhia presilhas pro cabelo da Emily... Você não vai me dedurar, né? Elas vão me matar! 


Eu sorrio e deixo uma risada escapar de minha falsa cara séria. Minhas irmãs realmente tornam os meus dias mais interessantes, mas lembro que são seis da manhã e o dia acabou de começar. Precisamos nos mexer se quisermos chegar a tempo. 


- Eu não vou te dedurar, mas você vai.


Revelo a Priscila falando abertamente. Antes que a pequena possa argumentar, eu a pego no colo e a levo ao corredor onde as duas continuam brigando.


- Priscila, você tem algo a dizer à suas irmãs?


Questiono e vejo que agora Flora e Poliana a fitam em silêncio, aguardando suas palavras. Após um momento, noto que Priscila respira fundo e começa a falar:


- Eu peguei o batom. Eu peguei as presilhas. Sem pedir. Desculpem. Eu queria usar na Emily e sabia que se pedisse, vocês não deixariam. Então peguei mesmo assim. Eu sei que foi errado. Me desculpem e não me matem. Por favor...


Ambas as irmãs encaram Priscila em descrença. Eu observo minhas irmãs com atenção e receio que voltem a discutir. Flora aponta na direção de Priscila e corta o silêncio.


- Eu não peguei o seu batom.


Antes que qualquer um possa dizer qualquer outra coisa, ela entra em seu quarto e fecha a porta. Poliana, urra em frustração e entra em seu quarto fechando a porta com ódio. Assisto à cena perplexa e quando olho para baixo, vejo que Priscila já não está do meu lado e entendo que é melhor eu ir tomar café antes que minha cabeça exploda.

Sangue Azul - Os Mistérios de QuimeriaOnde histórias criam vida. Descubra agora