Prólogo

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              Há milhares de anos, após a criação da humanidade por Deus, um anjo ficou tão enciumado que persuadiu uma das crias divinas a comer o fruto da árvore proibida. Com isso, Ele, decepcionado com sua criatura, mas ainda assim repleto de amor por seus filhos, como lição para todas as futuras gerações expulsou todos os homens do paraíso e condenou-os à mortalidade assim como uma vida de penúrias onde apenas aqueles cumprissem sua missão com virtudes e provassem ser merecedores, retornariam ao paraíso perdido.

              Entretanto, diante da mortalidade dos homens e decepcionado com o anjo que desviara seus novos filhos do caminho escolhido por Ele, designou este anjo para cuidar das almas daqueles que se fossem, as almas que não fossem dignas de retornar. Era um lugar escuro, sombrio e cheio de sofrimento, e este anjo, antes conhecido como a estrela mais brilhante, o mais luminoso tornou-se amargo e revoltado, sentindo-se exilado e abandonado o que escureceu sua alma e tudo ao seu redor.

             Na terra ele descobriu a maldade, o sofrimento, a raiva e o rancor. O suplício das almas humanas tornaram-no forte e elas fizeram-no seu soberano, amado, temido, adorado. Durante séculos nutriu sua maldade e rancor, assim como sua ambição, dedicando-se a induzir os bons a juntar-se a ele, agindo silenciosamente sem que os anjos se dessem conta até que fosse tarde demais.

             Assim a guerra começou, e durante muito tempo, muito mais que o tempo dos homens, anjos e demônios lutaram com todas as suas armas, até que um dia Amadeo, o filho mais amado de Deus, o anjo mais justo e o mais puro foi gravemente ferido e levado à morte.

              Dizem que no momento de sua morte Amadeo proferiu suas últimas palavras e em seguida derramou uma lágrima, uma única lágrima. A pureza desta última lágrima foi tamanha que uma luz intensa dominou todas as esferas celestiais, derrubando Lúcifer e espantando os demônios. Não se sabe exatamente o que aconteceu depois daquilo, mas quando a luz se dissipou a guerra havia acabado, os demônios haviam sido pulverizados e o anjo caído fraco e vulnerável trancou-se nas profundezas do inferno, sozinho.

- O que aconteceu depois? O que Amadeo disse? - a menina perguntou a sua mãe.

           A lágrima, segundo dizem, era um fragmento da essência de Amadeo e conjurou-se em uma entidade capaz de manter o equilíbrio no momento em que ele proferiu aquelas palavras.

- Que palavras mamãe? - insistiu ansiosa.

- "Que se faça a paz..." Foi isso que ele disse meu amor.

"As vezes eu me pergunto se esse dia realmente aconteceu. As vezes quando estou deitada na minha cama após um dia de trabalho, ou quando estava presa naquela clínica psiquiátrica. É a única lembrança que eu tenho dela... Na verdade, depois de tudo o que aconteceu, eu nem sei se é uma lembrança, nem sei o que é... Mas gostaria que fosse. Mesmo que eles tenham me abandonado em um lugar horrível, mesmo com as vozes, mesmo com todas aquelas noites terríveis que passei esperando que ela viesse me buscar, mesmo assim, eu ainda queria que fosse verdade, porque isso significaria que eu fui feliz, pelo menos uma vez."

             Rebeca fechou o caderno onde as vezes anotava alguns pensamentos e olhou pela janela do pequeno apartamento, em breve seria seu turno, não podia chegar atrasada, não podia perder este emprego, não podia perder mais nada.

               Prendeu o cabelo em um rabo de cavalo frouxo, colocou o uniforme exageradamente provocante na bolsa e desceu as escadas, a noite ia ser longa, mas que noite não era?

A Última Lágrima do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora