Capítulo 10

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           Miguel entrou no quarto onde Rebeca dormia quase angelical, tirou os sapatos, vestiu a bermuda do pijama e deitou ao seu lado olhando para o rosto delicado. O conflito o corroía por dentro, a culpa era quase pesada demais para carregar, mas ao olhar aquele rosto tudo parecia distante e tinha ainda mais certeza da impossibilidade de ficar sem ela.

       Abraçou-a de maneira protetora pensando que nada disso teria acontecido se não a tivesse deixado... Era insuportável vê-la sofrendo daquela forma, insuportável sequer pensar na hipótese de perdê-la para eles. Não sabia o que era aquilo que estava sentindo, mas sabia que era inútil tentar impedir.

       Rebeca acordou algumas horas depois e afastou gentilmente seu braço para poder se levantar. Sabia que não havia sido só um sonho e lembrar-se do sangue na caneca fazia com que tivesse vontade de sair correndo, mas não o fez. Ao invés disso abriu a porta com cuidado para não acordá-lo e passou pela sala onde a televisão estava ligada e Cassiel dormia no sofá. Indo até a cozinha abriu a porta que dava para fora da casa.

       A brisa do mar a recebeu gentilmente quando saiu e começou a descer o caminho de pedras até a praia. A sensação da areia fina e branca era gostosa sob seus pés e fez com que tivesse vontade de caminhar um pouco mais. Quando é que aquelas vozes e agora as visões e os sonhos a deixariam em paz? O que significava aquele sangue e porque agora havia sangue ao invés de lágrimas? Era isso aquela água salobra... Eram lágrimas, agora ela sabia.

       Sentou-se na areia depois de caminhar um pouco e fez desenhos aleatórios na areia enquanto pensava em Miguel, Cassiel e toda essa história sobre céu, inferno, anjos e demônios. Era óbvio para ela que o mal também podia vê-la exatamente da forma com que Ariel falou, caso contrário aquelas coisas não teriam acontecido...O que era aquele sonho que sempre havia tido, aquele sonho que nunca havia sido tão ameaçador como naquela noite.

         Não queria que nada de ruim acontecesse, entretanto parecia tão certo que isso era inevitável... Talvez não fossem os anjos que a houvessem aproximado de Miguel, nem o destino... Talvez fosse o mal... Uma forma de conhece-los, de atingir seu ponto fraco... Entretanto havia também o que acontecera com Rafael... Eles disseram que ela havia salvado sua vida, mas como se sequer sabia o que tinha acontecido naquele dia.

- Tudo vai ficar bem – sussurraram em seu ouvido, mas não havia ninguém por perto. A voz suave tinha ido embora da mesma forma que viera e agora sua mente estava em perfeito silêncio. Um silêncio perturbador.

         Ficou de pé e encarou o oceano naquela manhã tranquila. O mar permanecia inabalável em seu movimento contínuo de ir e vir. Deu alguns passos de forma que a espuma gelada molhasse seus pés. O sol nascendo era um espetáculo a parte e uma sensação de bem estar a dominou. Fechou os olhos em reverência e agradeceu a Deus. Não tinha um motivo específico. Apenas agradeceu. Não sentia medo nem ansiedade. Os sons melodiosos formavam uma bela música de fundo em sua mente perturbada. As vozes estavam em silêncio. Mas estavam à espreita. Sempre estavam 

- O que está fazendo aqui fora? - Miguel perguntou com suavidade para não assustá-la. 

- Está tudo bem - sorriu. - Ele mandou dizer que não devem temer, não devem esmorecer. Que está olhando por todos nós. - sua voz era tranquila e firme. Seus olhos estavam distantes e serenos. 

- Rebeca? - perguntou com cautela. A garota então sorriu e voltou a olhar para o mar. - O mar é profundo, desconhecido e assustador para quem não sabe navegar. Para quem sabe é um desafio. Um grande desafio, que merece respeito. É necessário conhecer as marés e as correntes para ter uma boa pescaria. É preciso evitar penhascos. Não deve ser menosprezado, mas não deve ser temido. O medo é limitante. E nos impede de ver adiante. Diante da tempestade resta apenas resistir e esperar. Dias melhores virão. Tudo é ousado para quem a nada se atreve. 

A Última Lágrima do AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora