Amor e Lobos

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Finalmente, logo ao anoitecer, a chuva parou e o céu se abriu. As primeiras estrelas apareceram e Marion as notou com o coração apertado, sabendo que os animais caçavam principalmente à noite.

Robert não acordara nas últimas horas. Ficou olhando para ele, refletindo sobre o pedido que fizera e tomou uma decisão.

Havia recolhido alguns galhos secos. Juntou-os, colocando os gravetos mais finos embaixo e tentou acender o fogo novamente, usando a pederneira e rezando com fervor. Após algumas tentativas desesperadas, finalmente conseguiu. A chama cresceu, crepitando e fazendo a esperança dela renascer com o calor da madeira queimada.

Foi até os lobos e  arrastou um deles para a fogueira. O deixou ao lado de Robert e cambaleou até outro animal, repetindo o que havia feito.

Deitou-se ao lado dele e puxou devagar um dos lobos por cima de suas pernas. Puxou também o outro para perto, conseguindo rolá-lo para cima de Robert que gemeu alto e acordou.

— Que está fazendo? — ele murmurou, nervoso com a visão do focinho de um dos animais próximo ao seu rosto. Os olhos sem vida da fera o encaravam acusadores e ele estremeceu involuntariamente.

Os lábios dela se abriram em um sorriso confiante e ela explicou, orgulhosa com sua ideia.

— Ficaremos escondidos embaixo dos lobos. Animais selvagens não caçam animais mortos, então estaremos em segurança!

— Por favor, Marion! Vá para as árvores! — ele pediu, tentando empurrá-la para longe, mas estava tão fraco que não conseguiu movê-la uma polegada sequer quando ela aconchegou a cabeça perto de seu ombro com um sorriso confiante.

⚜️⚜️⚜️

Um chapinhar de patas no riacho logo abaixo fez com que ele acordasse. Levantou um pouco a cabeça. Marion ainda dormia abraçada a ele e os corpos dos dois lobos mortos os envolviam junto com as sombras da parede de pedra.

Desta vez eram cinco deles. Não poderia explicar como sabia disto, mas ele tinha certeza como se os estivesse vendo à sua frente. Fechou os olhos e encostou seu rosto no dela. A dor de seus ferimentos ainda estava lá, mas agora era apenas uma sombra distante como um sonho.

A água estava gelada e os animais estavam saciando a sede e se divertindo, pulando entre as pedras do riacho. O céu brilhava repleto de estrelas, a brisa fresca brincava com a copa das árvores e a água refletia os raios de luar prateados. Um deles começou a uivar para a lua, feliz. Ele estaria feliz também, se fosse um lobo...  E não tinham fome! Eles já haviam caçado e ele podia sentir o gosto de sangue na sua boca. Não, não na minha...  Na deles!

Seus olhos encontraram os de Marion, que acordara com o uivo. Ele pode perceber o terror nascendo dentro deles, as pupilas se contraindo em um reflexo. Manteve seu olhar no dela, meneando a cabeça para um lado e o outro. Não fale... não grite... fique imóvel! E devagar, muito devagar ele se movimentou, cobrindo o corpo dela com o seu, protegendo-a.

Ele pulava e mordia seu companheiro, provocando-o, esparramando a água fria para todos os lados.

O corpo dela era quente, sob o seu corpo.

Ele era um lobo e uivou para a lua mais uma vez, o coração batendo forte, o sangue correndo rápido nas veias após a caçada.

Ela estremeceu e soltou um gemido de pavor quase inaudível. Ele a prendeu, pressionando-a com o peso de seu corpo e obrigando-a a ficar imóvel. Não haveria tempo para correr até a segurança da árvore.

No riacho, os lobos se embolaram numa luta fictícia, mordendo de leve um ao outro e caindo de costas, rosnando e latindo em uma brincadeira. Estava com eles, brincando também, os sentidos aguçados pela excitação selvagem.

Sua alma pressentiu a presença do animal antes que ele o pudesse ver. Uma sombra surgiu do círculo de escuridão ao redor da fogueira. Robert levantou os olhos para ela, paralisado. Era enorme! Maior do que aqueles que ele matara.

Ele beijou-a de novo, rezando para que ela não tivesse visto o animal ao lado. Ela suspirou e se moveu embaixo dele. O calor o invadiu mais uma vez e brincou com sua alma. Ele esqueceu-se do lobo por um tempo. Depois, lembrou-se e olhou-o com o canto dos olhos.

Ele os observava, analisando-os. Os deixaria viver? O animal mostrou os dentes brancos e afiados e o coração de Robert parou de bater por um instante, esperando a decisão. Enquanto isso, ele começou a fazer amor com Marion, lentamente...  Aquilo era tão errado... E ela movia-se de encontro ao seu corpo, queimando-o com um prazer muito próximo da dor. Mas tão, tão certo! O mais certo de tudo o que já fiz em minha vida...  Ele gemeu e os outros lobos aproximaram-se atraídos pelo barulho. Eles o cercaram e ele tornou-se um deles. Não havia mais o certo e o errado...  Apenas desejo.

Um pensamento involuntário relampejou em sua mente.

- O que vocês querem? Não veem que estou ocupado? - ele pensou, "conversando" com os lobos enquanto continuava a amá-la.

Desviou seus olhos para eles e viu (ou imaginou) o lobo maior sorrindo.

- Desculpe-nos! Foi mal! Não queríamos atrapalhar... - o animal arranhou o chão com as unhas da pata da frente, rugiu baixinho e sumiu na noite.

Os outros o acompanharam.

Seus olhos mergulharam nos dela e se afogaram neles novamente. Ele voltou a beijá-la, sentindo-se realmente perdido entre as sombras da floresta em um caminho sem retorno.

Sobre Amor e Lobos vol.1  VERSÃO WATTPADOnde histórias criam vida. Descubra agora