Belas Mentiras

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Finalmente, a madrugada chegou e os primeiros raios de sol tingiram o horizonte.

Ele não dormira quase nada, mas pelo menos tomara uma decisão. Pretendia ir até o mosteiro de Ball e passaria alguns dias por lá. Assim poderia conversar com padre Ralph e com Jack, seu melhor amigo, assistente do padre. Eles poderiam dar bons conselhos e se realmente estivesse doente padre Ralph iria curá-lo. Provavelmente deveria existir algum remédio para tratar aquilo que sentia.

Quanto mais raciocinava, mais tinha certeza de que o caso dele poderia ser tratado por um médico. Entretanto,  o médico do condado só sabia prescrever sangrias e  consertar  ossos quebrados, então, seria melhor recorrer ao padre, que não era médico, mas pelo menos tinha bom senso e livros sobre o assunto.

Além disso, queria saber se já tinham recebido novos livros no mosteiro. Os livros iriam distraí-lo!

Ele vestiu-se com rapidez e saiu do quarto silenciosamente, querendo partir antes que todos acordassem.  Provavelmente seu pai iria levá-lo para outro trabalho enfadonho e não o deixaria ir, porém a última coisa que queria era passar o dia ao lado dele. Ainda se sentia enganado! Deixara-se manipular por ele como uma criança inocente e agora, Marion o odiava.

Desceu a escada carregando as botas nas mãos para não fazer barulho.

— Aonde vai, Robert? — Thomas perguntou ao ver o filho descer as escadas como um ladrão tentando escapar despercebido após um roubo.

Robert franziu a testa, contrariado ao vê-lo acordado; ele sentava-se sozinho à mesa do salão principal, comendo seu rápido desjejum matinal.

— Vou ao mosteiro visitar Padre Ralph. Encomendamos alguns livros e talvez Tom, o mascate, já os tenha levado — respondeu com o tom de voz seco, sentou-se no degrau da escada e calçou as botas.

Em seguida, aproximou-se da mesa, pegou um pedaço de pão e encheu sua caneca de leite, evitando encará-lo de frente. Tomou o leite de um gole só e mordeu seu pão em pé mesmo, desejando mostrar que estava com pressa.

—Humm! Livros! Livros! — Thomas resmungou, — Por que precisa tanto deles? Tudo que precisa saber está aqui, — fez um gesto circular com a mão, apontando ao redor. — Sente-se e coma com calma. Hoje precisamos cuidar do setor leste da muralha e você deve me acompanhar, portanto não poderá ir ao mosteiro.

O humor de Robert que já estava péssimo, misteriosamente conseguiu piorar ainda mais. Ele obedeceu e sentou-se em frente ao pai com um ar contrariado.

— Vou passar o resto de minha vida aqui, por isso não preciso dos livros. Isto é o que quer dizer, não é? — reclamou. Precisava de um dia livre para recobrar sua sanidade, porque se continuasse ali, iria enlouquecer.

— Sim, é claro!  Você tem sorte de ser o herdeiro. Não fica feliz em saber que herdará as terras de seus antepassados e que poderá cuidar delas? —Thomas estranhou o tom ácido na voz dele.

Ele não respondeu. Tentou tomar mais um pouco de leite, mas quase engasgou, sentindo a garganta apertada.

Quanta sorte! O resto da minha vida preso neste fim de mundo, cuidando de vacas e ovelhas e consertando muralhas... — refletiu consigo mesmo em desespero, segurando a cabeça entre as mãos com os cotovelos apoiados na mesa. — E ainda por cima casado com uma Hastings!

Infelizmente, só percebeu que não havia somente pensado, mas sim, estava falando alto, quando seu pai deu um soco na mesa, derrubando sua caneca de leite no chão com um estrondo.  Aprumou o corpo, assustado.

— O que está pensando? Como se atreve a falar deste jeito?  Este "fim de mundo" é o que lhe dá o que comer! — Thomas berrou, apontando para o prato dele, — E esta roupa que está vestindo!

Levantou-se da mesa e aproximou-se dele, agarrou sua túnica e começou a sacudi-lo como se ele ainda fosse uma criança pequena.

A raiva e a mágoa que Robert tentava controlar desde a noite passada explodiram dentro dele. Ergueu-se, encarando-o com um olhar furioso como o do lobo antes do ataque.

— Solte-me, pai! — gritou e segurou a mão dele, empurrando-a com violência. — Você só se preocupa com o futuro dos feudos! E eu e Marion, o que somos para você? Animais de criação, os quais você cuida apenas para que um dia possamos lhe dar lucros? — exclamou com amargura.

Thomas abriu e fechou a boca algumas vezes, paralisado pela audácia dele e não podendo acreditar no que ouvira. Enfim, conseguiu responder:

— Não! Mas vocês têm um único dever que é cuidar de suas terras! Todos nós temos que fazer sacrifícios por elas...

— Que se danem estas malditas terras! Eu as odeio! E que espécie de sacrifício você tem que fazer por elas? Fico enojado só em pensar! Belas mentiras, é isso o que você minha mãe e o conde vivem enquanto todos fingem acreditar nelas.... — Robert respondeu com ódio na voz e no olhar, uma voz insinuando em sua mente que talvez os boatos fossem verdade... Talvez seu pai fechasse os olhos quanto ao conde William e sua mãe para manter o controle sobre as terras. Ele agora lhe parecia perfeitamente capaz de agir assim.

— Estou cansado de suas ofensas! Seu garoto insolente e ingrato! — Thomas berrou, perdendo completamente o controle.

Pegou Robert pelo braço apertando-o com força e pressionou o ombro que for a mordido pelo lobo até que ele arquejou de dor. Em seguida, puxou-o para a  porta e o jogou para a escada em direção ao pátio.

— Um dia se arrependerá por estas palavras! Se não gosta daqui então vá para onde quiser. Você não tem mais minha proteção! — exclamou asperamente, apontando para o portão do castelo.

Robert tropeçara e caíra com um dos joelhos ao chão e agora erguia-se em meio aos degraus, segurando o braço dolorido, os olhos faiscando de ressentimento.

— Eu não preciso dela! — respondeu com orgulho.

Andou de costas até o meio do pátio e retirou sua túnica com o brasão da família desenhado. Jogou-a no chão com desprezo, ficando apenas com a calça de couro e uma camisa branca de linho rústico que usava sob a túnica.

— E nem de suas roupas ou qualquer coisa mais! — gritou com raiva, o coração batendo forte no peito.


Nota da autora: não deixem de ver o vídeo. Quais as belas mentiras que escondemos e que não podemos berrar em voz alta pois seríamos também "expulsos"?

Sobre Amor e Lobos vol.1  VERSÃO WATTPADOnde histórias criam vida. Descubra agora