Capítulo II - Transferência [Parte 1]

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Era meia-noite em Marunouchi. Edifícios de janelas escuras se destacavam na paisagem. Não se podia ver uma só alma nas calçadas sob as fileiras de árvores ginkgo*, e a única presença era a de mariposas atraídas pelas luzes dos postes, balançando suas pequenas formas sem raciocínio. O bairro comercial estava tão quieto que quase se podia ouvir os insetos batendo nas lâmpadas.

[NOTA
Ginkgo: É uma espécie de árvore que existia desde a era dos dinossauros. É um símbolo da paz é longevidade por ter sobrevivido as explosões atômicas no Japão]

Mas o silêncio lá fora aparentemente não fazia diferença para as grandes firmas que carregavam o peso da economia nos ombros. Mesmo agora, ainda havia luzes acesas no 12º andar do prédio da Mitsune Productions. A Terceira Divisão de Exportação era responsável por todos os negócios com a Europa. Restavam apenas duas semanas até agosto, quando o Ato de Regulamentação de Importação de Eletrônicos entraria em efeito. Numa corrida de última hora para queimar todo o estoque, o departamento estava trabalhando em capacidade máxima até altas horas.
Inevitavelmente ficando cansadas, algumas pessoas tiravam cochilos no sofá, enquanto outros tinham saído para comer nas lojas de lamen próximas à estação de Tóquio. Inoue esfregou os olhos pesados enquanto inseria as exportações previstas para o dia seguinte na estação de trabalho online que o conectava com o sistema da filial no exterior. Mas com os óculos de armação de metal cobertos de marcas de dedos, ele estava muito diferente do homem elegante que costumava ser.

— Quanto falta? — Hashiguchi, que estava dormindo no sofá, acabara de acordar e chamou por Inoue. Sua voz claramente esboçava um bocejo.

— Não deve demorar muito agora. Só faltam os eletrônicos de lavanderia que serão enviados para a França. — Usando uma chapa de vinil como leque, Inoue jogava ar no peito através da sua camisa de gola V.

— Então, em quanto as exportações aumentaram? — Esfregando os olhos, Hashiguchi olhava para a tela por trás de Inoue.

— Aproximadamente 200% em relação ao ano passado. Me assusta pensar que tudo isso pode acabar sendo barrado.

— Algo assim é de se esperar. Afinal, em duas semanas, nós vamos fazer 90% das exportações do ano passado inteiro.

— O chefe e os outros estão demorando demais. Como podem demorar tanto comendo um lamen? Aposto que pararam em algum lugar pra beber.

— Por que você não descansa um pouco? Eu assumo o seu lugar por enquanto. — Hashiguchi deu um tapinha no ombro de Inoue e sorriu amigavelmente.

— Obrigado. — Quando Inoue levantou e começou a se espreguiçar, o computador apitou. O LED que indicava transferência de dados da sede nacional se acendeu.

— O que será que eles querem assim tão tarde? — Disse Hashiguchi.

— Ah, com certeza querem parte do nosso estoque reserva. Claro que como estamos todos focados na exportação, esse não é lá o melhor momento pra isso. — Já se preparando para dormir, Inoue não tinha outra desculpa para inventar.

— Não precisa ficar bravo com eles... Os caras do escritório central também estão trabalhando nessa hora amaldiçoada, como nós.

Enquanto repreendia o colega, Hashiguchi ativava o modo de recebimento de dados do computador. A lista de enumerações desapareceu, e a tela ficou toda verde. Normalmente, nessa hora o número de identificação da pessoa que estava enviando os dados seria exibido na tela. Mas ao invés disso, a tela estava mudando de cor sem parar e mostrando símbolos desconhecidos e estranhos.

— Que diabos é isso? — Letras estranhas rolavam pela tela, mas os dois não tinham como saber que era hebraico antigo. Agora a tela mostrava a imagem de uma estátua de um homem.

Digital Devil Story: Megami TenseiOnde histórias criam vida. Descubra agora