Capítulo I - A Noite Do Demonio [Parte 3]

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Loki exigia o sacrifício de mulheres. As oferecidas a ele gemiam, se contorciam e por fim chegavam ao orgasmo. Talvez lá no fundo, Nakajima sentisse uma satisfação sadista em violar mulheres. Mas ele sempre pensou que o que acontecia não era real, já que só acontecia no mundo virtual. Loki não podia escapar do computador. A menos que alguém usasse o computador mais poderoso do mundo, a imensa quantidade de dados que seriam necessários para dar forma a ele seria impossível de processar. Ele só podia agir dentro dos limites do software que Nakajima programou. Então o que era aquela neblina azul que apareceu em volta de Ohara...?

— Nakajima-kun, você está com medo de alguma coisa, não está? — A voz de uma mulher interrompeu seus pensamentos.

Nakajima lembrou que estava falando com Yumiko sobre o que estava fazendo.

“O que eu estava pensando? Eu não devia ter dito tudo aquilo pra ela.” — fixando o olhar em Yumiko, Nakajima deu um passo à frente. Por um instante, os olhos de Yumiko pareceram brilhar em vermelho, e Nakajima foi envolto em escuridão. Um estranho mundo ilusório se descortinou diante dele.

Várias montanhas rochosas de um marrom avermelhado se erguiam até os céus, com nem um único feixe de grama crescendo nelas. Como que costurada a fio entre as traiçoeiras montanhas, uma pequena trilha se estendia até onde a vista alcançava. Um rapaz corria desesperadamente pela trilha, batendo os dentes e exalando baforadas que pareciam as de um dragão. Ele vestia uma túnica branca sem mangas, tinha os longos cabelos presos num rabo de cavalo, e enquanto seus pés pisavam o chão poeirento, o colar de joias curvas no seu pescoço balançava. Ele estava vestido como alguém de tempos muito antigos. Mas o rosto do rapaz definitivamente era o de Akemi Nakajima. Gotas de suor escorriam pela sua bochecha, arrastando a sujeira consigo.

— Meu esposo, por que me abandonou? Izanagi, por quê...? — Uma triste voz cheia de miséria chegou aos ouvidos do rapaz. Instintivamente, ele diminuiu a velocidade. Parecia que sua cabeça estava tentando se virar sozinha. Mas o rapaz mordeu forte os lábios, saltou um tronco no caminho e continuou a correr.

A mulher atrás dele o perseguia quase se arrastando, seus pés cobertos de sangue dos ferimentos sofridos do chão de pedras pontiagudas. Seus longos e graciosos braços albinos se esticavam tentando inutilmente encurtar a distância entre ela e o rapaz. Seus longos cabelos negros e sua voz desesperada eram carregados pelo vento. Mas o rosto por baixo daqueles cabelos estava podre e decomposto, e as cavidades oculares, completamente vazias. Larvas rastejavam no espaço entre carne e osso, e quando ela parava para respirar, sulcos carnosos escorriam das suas bochechas com larvas. Seus lábios haviam apodrecido e caído e, com seus dentes expostos rangendo de frustração, ela emitiu um grito estridente.

Com o grito da mulher, um relâmpago púrpuro atravessou as nuvens carregadas no céu e atingiu uma formação rochosa próxima. Uma criatura apavorante apareceu no lugar onde o raio caiu. Era uma mulher enorme, tão grande que parecia que ia tocar as nuvens, com uma pele viscosa esverdeada, algo parecido com a pele de um sapo. A mulher se interpôs no caminho do rapaz, abrindo os braços como que para impedi-lo.

— Yomotsu-Shikome, saia do meu caminho! — Quando o jovem gritou, o pescoço flácido da mulher balançou como uma bola de geleia, e ela grunhiu, com uma voz hedionda:

— PARE.

Vendo o jovem continuando a seguir em frente, Yomotsu-Shikome deu um passo em direção a ele. Quando seus pés magros e retorcidos tocavam o chão, a terra tremia com um grande estrondo. Sem cambalear um só instante, o rapaz encarou a forma gigantesca maior que um colosso na sua frente, tirou um pente vermelho que prendia seu cabelo, quebrou um dos seus dentes e jogou na mulher. O dente do pente se cravou no seio exposto de Yomotsu-Shikome, e o rosto feio da mulher de repente se contorceu numa expressão de dor. Como se todo o seu corpo estivesse sendo afetado por algum forte veneno, ela apertou o peito com a dor e vomitou uma bile xaroposa pelo chão. Mesmo assim, ela tentou se agarrar no rapaz, mas seu corpo convulsionou furiosamente e ela caiu de cara no chão, fazendo a própria terra tremer.

Enquanto o rapaz passava delicadamente ao lado do enorme corpo, o som da triste voz soou em seus ouvidos mais uma vez.

— Por favor, espere, Izanagi...

— Nakajima-kun, o que houve? — De repente recobrando a consciência com alguém chamando o seu nome, Nakajima viu Yumiko Shirasagi olhando para o seu rosto de perto com um olhar perplexo. Seus olhos estavam repletos de medo e pena.
Mas o que foi que aconteceu? Essa alucinação tinha alguma coisa a ver com o Programa de Evocação de Demônios? Ou então... Por um momento, Nakajima se perdeu nos olhos de Yumiko. Mas seu orgulho excessivamente rígido não permitiria que ele demonstrasse mais fraquezas para ela.

— Esqueça, vá embora daqui. — As palavras de Nakajima foram curtas e frias, como que tentando abafar a situação.

Yumiko parecia querer dizer alguma coisa, mas não estava disposta a contrariá-lo, e então obedeceu.

— De todo modo, tenho que descobrir o que era aquela neblina. — Se recompondo, Nakajima ligou o modem e conectou ao computador do JSI.

> HELLO NAKAJIMA, WHAT'S UP? (Olá Nakajima, O que foi?)

Recebendo a mensagem de boas vindas de Craft, Nakajima removeu o disco rígido e inseriu em outro computador customizado, contendo um tradutor automático equipado com um banco de dados de 50 mil termos relacionados a magia e ocultismo. Claro que foi o próprio Nakajima que o criou.

> UM VAPOR ESTRANHO APARECEU EM VOLTA DO SACRIFÍCIO. ESTOU ENVIANDO UMA ESTIMATIVA BÁSICA DA SUA FORMA E COMPOSIÇÃO. TENTE ANALISÁ-LO PARA MIM.

Os dados armazenados no computador de mão foram imediatamente para Massachusetts através da internet. Nakajima bateu os dedos na mesa impacientemente por um minuto... Dois minutos. Cinco minutos depois, Craft finalmente enviou sua análise.

> VOLUME E MASSA SUGEREM UM CONTEÚDO ECTOPLASMÁTICO CINCO VEZES ACIMA DO NORMAL. A JULGAR PELA SITUAÇÃO NA QUAL SE MANIFESTOU, A PROBABILIDADE DE O VAPOR SER O PRÓPRIO LOKI É ALTA.

> NÃO INCLUÍ NENHUM COMANDO QUE PERMITIRIA A LOKI SE MANIFESTAR. ALÉM DISSO, O COMPUTADOR DA ESCOLA NÃO SERIA CAPAZ DE EXECUTAR ALGO DESSA ESCALA.

> PELOS DADOS ENVIADOS, NÃO POSSO FORNECER UMA RESPOSTA EXATA. A ÚNICA CERTEZA É QUE O DEMÔNIO QUE VOCÊ EVOCOU PARA DENTRO DO COMPUTADOR É COMO UMA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL DE NÍVEL GÊNIO. NÃO PODE SER DESCARTADA A POSSIBILIDADE DE QUE ELE TENHA ENCONTRADO UMA MANEIRA DE SE MANIFESTAR POR CONTA PRÓPRIA.

> OBRIGADO, CRAFT.

Enviando a mensagem de despedida, Nakajima encerrou a conexão.

“Não posso acreditar que Loki pode ter encontrado uma maneira de se manifestar por conta própria. Mesmo assim, é melhor eu começar a trabalhar em algo que possa usar para controlá-lo por completo.” — Pensando em mil coisas, Nakajima caminhou até a janela e olhou para o infinito negro do céu.

Digital Devil Story: Megami TenseiOnde histórias criam vida. Descubra agora