Duelo

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Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha pêlos

compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por palavra: papudo,

vagabundo, vingativo e mau. Mas, no começo desta estaria, ele estava com a razão.

Aliás, os capiaus afirmam isto assim peremptório, mas bem que no caso havia lugar para

atenuantes. Impossível negar a existência do papo: mas papo pequeno, discreto, bilobado e

pouco móvel — para cima, para baixo, para os lados — e não o escandaloso "papo de mola,

quando anda pede esmola"... Além do mais, ninguém nasce papudo nem arranja papo por

gosto: ele resulta das tentativas que o grande percevejo do mato faz para se tornar um

animal doméstico nas cafuas de beira-rio, onde há, também cúmplices, camaradas do

barbeiro, cinco espécies, mais ou menos, de tatus. E, tão modesto papúsculo, incapaz de

tentar o bisturi de um operador, não enfeava o seu proprietário: Turíbio Todo era até

simpático: forçado a usar colarinho e gravata, às vezes parecia mesmo elegante.

Não tinha, porém, confiança nesses dotes, e daí ser bastante misantropo, e dali ter querido

ser seleiro, para poder trabalhar em casa e ser menos visto. Ora, com a estrada-de-ferro, e,

mais tarde, o advento das duas estradas de automóvel, rarearam as encomendas de arreios e

cangalhas, e Turíbio Todo caiu por força na vadiação.

Agora, quanto às vibrissas e ao choro sem visagens, podia ser que indicassem gosto

punitivo e maldade, mas com regra, o quanto necessário, não em excesso.

E, ainda assim, saibamos todos, os capiaus gostam muito de relações de efeito e causa,

leviana e dogmaticamente inferidas:

Manuel Timborna, por exemplo, há três ou quatro anos vive discutindo com um canoeiro

do Rio das Velhas, que afirma que o jacaré-do-papo-amarelo tem o pescoço cor de enxofre

por ser mais bravo do que os jacarés outros, ao que contrapõe Timborna que ele só é mais

feroz porque tem a base do queixo pintada de limão maduro e açafrão. E é até um trabalho

enorme, para - gente sensata, poder dar razão aos dois, quando estão juntos.

Assim, pois: de qualquer maneira, nesta história, pelo menos no começo— e o começo é

tudo —Turíbio Todo estava com a razão.

Tinha sido para ele um dia de nhaca: saíra cedo para pescar, e faltara-lhe à beira do córrego

o fumo-de-rolo, tendo, em coice e queda, de sofrer com os mosquitos; dera uma topada

num toco, danificando os artelhos do pé direito; perdera o anzol grande, engastalhado na

coivara; e, voltando para casa, vinha desconsolado, trazendo apenas dois timburés no

cambão. Claro que tudo isso, sobrevindo assim em série, estava a exigir desgraça maior,

que não faltou.

Mas, por essa altura, Turíbio Todo teria direito de queixar-se tão-só da sua falta de saberviver;

SagaranaWhere stories live. Discover now