Quando vim, nessa viagem, ficar uns tempos na fazenda do meu tio Emilio, não era a
primeira vez. Já sabia que das moitas de beira de estrada trafegam para a roupa da gente
umas bolas de centenas de carrapatinhos, de dispersão rápida, picadas milmalditas e difícil
catação; que a fruta mal ma dura da cagaiteira, comida com sol quente, tonteia como
cachaça; que não valia a pena pedir e nem querer tomar beijos às primas; que uma cilha
bem apertada poupa dissabor na caminhada; que parar à sombra da aroeirinha é ficar com o
corpo empipocado de coceira vermelha; que, quando um cavalo começa a parecer mais
comprido, é que o arreio está saindo para trás, com o respectivo cavaleiro; e, assim, longe
outras coisas. Mas muitas mais outras eu ainda tinha que aprender.
Por aí, logo ao descer do trem, no arraial, vi que me esquecera de prever e incluir o
encontro com Santana. E tinha a obrigação de haver previsto, já que Santana que era
também inspetor escolar, itinerante, com uma lista de dez ou doze municípios a percorrer
— era o meu sempre-encontrável, o meu "até.. as-pedras-se-encontram" — espécie esta de
pessoa que todos em sua vida têm.
— Vai para a fazenda? Vou aos Tucanos. Vamos juntos, então. Santana jamais se espanta.
Dez anos de separação ter-lhe-iam parecido a mesma coisa que dez dias. Não tem grandes
expansões nem abraços. Tem apenas duas bossas frontais poderosas, olhos bons, queixo
forte, e riso bom em boca má. E, no mais, para ele a vida é viva, e com ele amasiada.
— Mas Santana, deixa ao menos ver se vejo algum camarada com a condução...
—Deve ser aquele.. .Vou arranjar cavalo para mim. Temos boas quatro horas de caminho
comum... Um match em três partidas!
Com Santana, a gente tem sempre de reagir; contra a sua personalidade de alta voltagem e
sua lacônica tirania. Já me preparo. Mas sei que, daqui a pouco, ele estará reaparecendo,
cavalgando um eqüino ou um muar qualquer, arrebatado ao primeiro conhecido que
encontrar. E sei também que, entrementes, ter mais funda a entrebossa: problema em três
lances, em e1aboração.
Porque o seu fraco, e também o seu forte, é o "nobre jogo de xadrez. Em tal grau, que ele
sempre traz consigo, na mala de viagem: um tabuleiro grande; uma coleção de peças
grandes; outros trinta e dois trebelhos de menor formato; mais outro jogai de reserva, dos
de bordo, com os escaques perfurados para se atarraxarem os pinos das figuras; blocosdiagramas,
para com posição de problemas; números de "L'Échiquier"e de "La Stratégie";
recortes de jornais, com partidas dos grandes mestres; e alguma roupa, também.
Mas o camarada constituía mesmo a comissão de recebi mento, e o cavalo — baio ruano
calçado de preto — era o para mim.