CAPÍTULO 2 - Inconstância

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As coisas boas deveriam ser feitas para durar, sei que é natural o fim das coisas, mas meus fins sempre são desastrosos, vergonhosos, ou tristes demais para serem datados. A verdade é que cansei de errar tentando acertar, mas o pior é que por mais que eu diga que não vou mais sofrer, não vou mais confiar ou me abrir, sempre deixarei alguém entrar, conhecer, mesmo sabendo que vão partir, afinal todos fizeram suas malas e foram, e por mais que diziam ficar, de alguma forma partiam, e eu fiquei, com as dores das lembranças, a carga emocional, e a madrugada vem como avalanche me consumindo, sussurrando desastres dos passados, criando histórias que jamais aconteceram, mas poderiam ter acontecido, fabricando grandes possíveis conversas e abraços. Amizade, eu sempre achei que seria mágico, importante, algo que eu teria para a vida toda. Hoje eu vejo que é apenas uma lenda. Uma história para crianças ingênuas dormirem.

Mas tudo passa, a mesma chuva que alegrava o meu dia é a mesma que transforma meu dia em solidão, e as estrelas que iluminavam a minha noite não iluminam mais, trazendo os fantasmas que estavam ocultos de volta em primeiro plano. Não sei se estou à beira da insanidade, ou se essas coisas estão realmente acontecendo, não sei se as pessoas estão me ignorando ou sou eu que me afastei delas, não sei se estão me magoando ou eu que estou criando motivos para abandonar todos. Às vezes acho que todos estão ocupados e não tem tempo para ouvir o que tenho a dizer, mas parece que eles preferiram seguir em frente, e eu sou só mais um paranoico suicida, pronto para sair de cena.

Talvez eu só seja cansativo, perturbado, repetitivo e chato. Talvez minha paranoia, meus medos e inseguranças afastam pessoas, talvez tenham medo de se infectar com meus desatinos. Acho que preciso não me preocupar tanto, não tentar tanto, quem se esforça demais deixa de ter valor.

Uma vez me perguntaram o motivo pelo qual eu escrevo, e eu realmente não sei se escrevo para esquecer ou para lembrar, é tudo meio confuso. Certas palavras ainda me doem, e eu ainda devo estar sangrando por dentro, e talvez esse seja um dos motivos de ainda estar escrevendo todos esses devaneios. As histórias acabam não sendo bonitas ou de cunho educacional, são negras, tristes, e solitárias, não são feitos para pensar ou refletir, são escritos para poder me livrar dos pensamentos, das insanidades e deixá-los trancados aqui, onde não me afetam, onde eu sei que estou seguro de mim mesmo.

Quando era mais novo, almejava tantas coisas, que hoje nem sei mais se as quero agora, ou se estão ao meu alcance. Não sei se o motivo de toda essa bagunça é o medo de errar, ou que vejam os meus erros. Não sei se sou capaz de ter tudo que quero, mas eu juro que estou fazendo o possível.

A felicidade é relativa, e talvez esse seja o meu problema. Não consigo ver todos os lados dela, e é isso que me frustra bastante. Queria poder voltar ao passado e dizer ao meu eu ingênuo tudo que sei agora sobre esse mundo, talvez assim eu vivesse e não sobrevivesse apenas.

Diferente de muito tempo atrás, hoje eu pensei mais em mim, me distraí com coisas sem importância, e não pensei tanto nos problemas. Não me importei tantos com as regras, nem com os conceitos prontos e detalhados, me desliguei do facial, e vi o interior, e notei que não dava tanta importância para isso, e agora existe uma enorme bagunça aqui dentro. Preciso me adaptar a isso tudo e seguir em frente. Cada lembrança cada detalhe, hoje mostra quem eu sou, e as manchas do passado não saem mais.

Tudo parecia descontrolado, fora da rota, mas uma vez ou outra as coisas voltam a fazer sentido. A luz no fim do túnel aparece, mesmo eu sabendo que possa ser apenas vários vaga-lumes. Pessoas voltam a fazer parte da nossa vida, e tudo tende a regressão a média, e a expectativa fica em saber qual o lado da balança vai pender. Eu queria poder dizer que tudo vai dar certo, mas já me tornei pessimista, a vida não me deixou muitas alternativas além de se acostumar a esperar o pior. Não sei se você me entende, mas as vezes se conformar é a única opção.

Não que eu não aproveite os picos de felicidade, as pontadas de sorriso, as conversas jogadas fora, ou o ânimo doble. Se eu não aproveitasse todas essas pequenas felicidades aleatórias eu enlouqueceria, bom não sei se é possível aumentar o estágio de loucura que eu me encontro, mas dane-se.

Mas acho que isso é necessário, o equilíbrio é necessário, mesmo não fazendo parte do meu vocabulário. Não sei qual é a mania que a pessoa tem de me chamar de louco, como se eu escolhesse sofrer, ou escolhesse essa vida para mim. Não existe controle para os pensamentos, sentimentos, não existe essa de "eu controlo a minha vida" porque não existe manual de instruções para viver. E por mais que queiram dizer que sou louco, vejo eles se afundando em meus devaneios, minhas loucuras, se alimentando dos meus medos, e quando mais reclamam, mas de mim há neles, e quanto mais julgam, mais perto das minhas angústias eles estão, e a cada passo mais fragmentos de mim há neles. Não me importo, eu juro que não ligo, é bom que levem partes de mim, diminuam meu fardo, minha dor. A dor compartilhada é mais amena, mais branda. E por mais que falem, eles sabem que se parecem mais comigo do que dizem ser, porque eu decidi abraçar a dor e vive-la, mas eles preferem criar personagens multifacetados, viverem mentiras, e segurar ilusões.

Levei muito tempo para notar e aprender que nessa vida nunca se pode ter tudo. Ainda não sei tudo que preciso saber sobre mim, sobre minha vida, meu corpo e minha alma. Lancei-me à deriva, livre e solto aos caprichos do destino, assim os erros não serão meus. Se é que essa ladainha de destino exista de verdade. Na minha vida deixei tantos espaços vagos para que as pessoas preenchessem, que me tornei oco pela ausência constante delas. Não me arrependo de ter deixado espaços, e sim tenho arrependimento de ter esperado tanto tempo por essas pessoas. Ainda hoje penso como seria se eu perdesse a memória. Esquecesse as dores, os motivos delas, o passado, as pessoas, meus medos e até quem eu sou ou era, e começasse tudo do zero. Talvez eu aprendesse mais, fosse melhor, sem medo, mas calmo despreocupado, talvez eu realmente vivesse.
Quando eu decidi ser feliz tive de largar as coisas passadas, todo o sofrimento e a angustia para viver uma nova fase, e aquele coração acorrentado e com medo de amar novamente e eu o libertei, dei a mim outra chance de amar, erros e falsas promessas, ficariam no passado e as pessoas que conhecemos hoje não podem ser julgadas pelas pessoas que passaram por nós e nos fizeram sofrer.

Por mais que eu tente criar as conexões necessárias, e colocar no papel todos meus anseios, e tente parafrasear da forma correta, os dedos atropelam os pensamentos deixando minhas conjecturas confusas. Eu espero que me entendam, e que não seja um martírio acompanhar essa narrativa, e que entendam que a dor não é uma ferramenta e sim um subproduto da minha vida. Eu sei que as vezes eu perco o sentido, me torno redundante, e na maioria das vezes ando em círculos como uma barata e não falo nada que faça sentido, as vezes eu falo tanto de mim, que no meio da bagunça pareça que falo de nós, é eu sei, as angustias parecem a mesmas. Aprendi que preciso deixar de fazer sentido, preciso parar de tentar explicar, ou provar minhas certezas para o mundo.

Hoje mais cedo, peguei o ônibus de sempre, mesmas pessoas, mesmo cheiro, mesma monotonia, e assentei no lugar de sempre. Ouvi o silêncio e divaguei pelo subconsciente. Sabe aquelas conversas que se tem consigo mesmo, aquelas historias inventadas que criamos de coisas que não aconteceram mas poderiam ter acontecido se não fossemos tão medrosos? Então, eu perdi a noção de espaço e tempo, só me toquei do nível da viagem quando os olhos molharam, e percebi que as lagrimas iam descer. Sem motivo, eu acho, as vezes nem sei o motivo das angustias, elas apenas estão ali, e não há nada que eu possa fazer. Em uma das paradas um senhor colocava suas compras no ônibus, e uma moça o ajudou. Sem cobranças, sem nada em troca e com um sorriso no rosto, naquele momento eu senti que ainda nos restava resquícios de esperança, ainda havia traços de humanidade em nós, e que poderíamos ser melhores se quiséssemos. As vezes penso se eu poderia ser melhor. Acho que sempre podemos fazer mais, mas escolhemos ficar inertes.

Tenho reclamado tanto da vida, pedido tanto, reclamado demais por coisas desnecessárias. Lembro-me de ter pedido a morte sem hesitar, pedido mudanças em coisas que hoje eu vejo que eram e ainda são perfeitas do jeito que estão, será tarde para ver isso? Talvez. Hoje eu não vejo problema em partir, vejo problema em deixar o que eu tanto quis aqui. Cresci preso a velhos hábitos, e no meio de tudo isso floresceu uma vontade, nasceu um guerreiro dentro de mim, e junto veio um monstro, acorrentado a velhos medos do passado e constantes frustrações vividas me ergui. Agora aqui um garoto triste, arrebentado pela vida, e sem motivos para seguir, decidiu por si só desistir.

Todas As Coisas Que Não Foram DitasWhere stories live. Discover now