O encontro

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Passei alguns minutos andando de um lado para o outro, pensando no que eu devia fazer. Não havia a mínima condição de eu ir sem minha mãe saber. Quando estava quase decidido a não ir, minha mãe bate levemente na porta do quarto e diz:

- Querido, vou passar a noite no hospital com seu pai. Provavelmente não estarei aqui quando você for a escola. Então, amanhã passe no café do Monsieur Roméo para comer alguma coisa antes de sair. Ah, também tem pizza de ontem na geladeira. Qualquer coisa, me ligue. - E ouço os passos dela se afastando no corredor com piso de madeira.

Aquela era minha chance de ouro. Olhei pela janela e vi minha mãe saindo com o carro. Pus uma roupa mais apresentável, peguei meu casaco cinza e saí.

O Chez Jules não era tão longe da minha casa, então consegui chegar em cerca de 15 minutos a pé. No meio do caminho, começou a nevar, o que era incomum naquela época do ano. Cheguei ao belo restaurante. Logo na porta, o garçom inquiriu-me em um tom extremante rude:

- O que você quer garoto? Aqui não é lugar para crianças.

- Me chamo William, estou com o Bismark. - Respondi em um tom levemente exaltado. O garçom arregala os olhos e diz em um tom doce:

- Mil perdões, Monsieur William. Por gentileza, deixe-me levá-lo até sua mesa.

Dessa forma, o garçom pega meu casaco e  eu entro no restaurante. O lugar era muito bonito, com estofados vermelhos nas paredes, mesas e cadeiras com estilo vitoriano, paredes com texturas diferentes de tijolos e uma mistura de quadros de arte abstrata e renascentista. Não me recordo de ter visto algo parecido antes. Minha mesa tinha uma bela vista para a rua. Logo depois que eu me sentei, o garçom me oferece uma taça de vinho, como pedido de desculpas. Ele não ligou para o fato de eu ser menor de idade, e eu muito menos, já que o vinho estava divino. Em poucos minutos, vejo um cara de sobretudo preto muito bem vestido vindo em minha direção. O estranho senta-se e diz:

- William? - Eu respondo:

- Ulrich?

- Temos vários assuntos a tratar.

Depois dessa frase, tive certeza absoluta que aquele cara não era o Bismark. Mesmo sabendo falar francês, o sotaque dele era extremamente puxado, bem parecido com russo. Além disso, o porte de brutamontes e o olhar autoritário que ele lançava não batiam com as características do Bismark. Tinha que bolar um jeito de sair daquilo, já que podia ser uma armadinha. Depois dessa análise de três segundos, o estranho pergunta:

- Não vai dizer nada? - Pego o cardápio que estava em cima da mesa, leio rapidamente e digo:

- Escargots.

- O que? - Ele responde levemente enfurecido.

- E-S-C-A-R-G-O-T-S. Nunca experimentei isso antes, e os daqui parecem ter uma cara boa. Desculpe por ter soletrado, mas não sei como se pronuncia isso em russo. - Ele me fuzila com o olhar, mas logo chama o garçom e faz o pedido.

Não conversamos enquanto comíamos, mas ele me encarava constantemente. Depois da ótima e cara refeição, ele questiona em um tom irônico: 

- Deseja mais alguma coisa?

- Não, estou bem satisfeito. Obrigado pela refeição. Agora podemos conversar.

- Ótimo. Quero saber se você consegue fazer o que me disse pela internet.

- Não só consigo, mas vou. Isso se eu receber os recursos e um pagamento adequado.

- Excelente. Gostaria que você me acompanhasse agora.

Ele se levanta e sai da mesa. Eu o sigo até o carro que estava estacionado na porta do restaurante. Entro no carro, e o cara russo, que estava ao volante, aponta uma arma para minha cintura e diz:

- Não tente nenhuma gracinha.

Naquele momento, meu corpo congelou. Fiquei com vontade de sair correndo, ou de gritar por ajuda. Mas, com muito esforço, retomei o controle da minha mente e disse em um tom brando e sem passar nenhuma emoção em minha expressão facial:

- Tudo bem. Poderia pelo menos saber a onde vamos?

- Não, agora cale-se se ainda quiser seu baço inteiro.

Ele começou a dirigir, passamos por algumas avenidas importantes de Quebec e começamos a nos afastar da cidade. Por fora, eu aparentemente estava bem, mas meu coração batia tão aceleradamente que era possível ver as veias do meu pescoço pulsando. Andamos por mais um tempo até pararmos na porta de um galpão. Ele desce do carro e ordena que eu saia logo em seguida. Ele me empurra para dentro do galpão, manda eu dar dez passos para frente e me virar para ele. Em um ato desesperado, me viro bruscamente e pergunto:

- Mas que tipo de execução é essa?

- Pare de brincar comigo seu fedelho insolente!!! Não vê que eu estou com uma arma apontada para sua cabeça?!

Essa frase com oscilações na entonação da voz do falso Bismark foi a minha salvação. Naquele momento, tomei a ação inconsciente mais consciente da minha vida (pode não fazer muito sentido, mas foi assim que eu me senti). Comecei a me aproximar lentamente dele, vi o suor escorrendo por sua face esquerda, as mãos trêmulas tentando manter o pulso firme... Ele gritava algo, mas minha mente estava em tamanho colapso que só conseguia ver seus lábios se mexendo, mas nada ouvia. Percebo que ele está prestes a puxar o gatilho, e naquele momento, antes de tomar um tiro, puxo braço dele e ponho embaixo do meu. Depois dessa ação idiota, ele se assusta com a atitude inesperada e atira. Concomitantemente, eu grito em um tom de profundo desespero:

- DURMA !!!!

Os olhos azuis do brutamontes se arregalam, a tal ponto que é possível ver o caos em seu olhar. Logo em seguida, seu corpo cai, e ele adormece no chão.

Caio de joelhos no chão. Não consigo descrever o que sentia naquele momento, mas precisava decidir o que eu iria fazer.

Mind Killer: O assassino da sanidadeWhere stories live. Discover now