Olhar para aquele arsenal de guerra me fez entrar em devaneio por alguns segundos. Kowalsky me analisava, curioso, tentado entender o que se passava por trás da minha face, que provavelmente não estava passando nenhuma expressão. Me voltei para Kowalsky, disse qualquer coisa como forma de normal. Pedi para ele me levar para casa.
Saímos do hotel sem trocar uma palavra. A nevasca estava mais tênue, contudo os flocos de neve continuavam a cair vagarosamente sobre Quebec, como um confeiteiro jogando açúcar sobre um mil folhas. Passávamos pelas ruas, e as luzes refletiam sobre o meu rosto enquanto aos poucos a cidade começava a adormecer. Um turbilhão de informações veio me assombrar. Os textos do meu avô, meu pai no hospital, a escola... Quanto menos esperei, Kowalsky e eu já estávamos a um quarteirão da minha casa. Ele parou na esquina, me deu a maleta, e se despediu.
Caminhei alguns metros na neve e cheguei na porta de casa. Entrei, joguei o casaco na entrada e fui direto para o meu quarto. Me deitei na cama do jeito que estava. Meu corpo parecia pesar muito mais do que realmente pesava.
Os primeiros raios de sol da manha tocavam suavemente meu rosto. Praguejei internamente e olhei para o despertador na minha mesa. Era segunda feira e tinha que ir para aula, e eu ainda estava um caco da noite anterior. Não me lembro sequer de quando eu caí no sono, só tinha consciência de que tinha que me apressar. Enquanto calçava minhas botas, olhei para a maleta prateada que eu jogara na noite anterior próximo a mesa de cabeceira. Terminei de me calçar, e levei a mala para o escritório do vovô. Debaixo das enciclopédias, havia um cofre secreto. Não havia nada além de poeira, mas agora me serviria muito bem, já que apenas eu sabia a combinação. Escondi a prova dos meus pecados na velha caixa de metal maciço, e fui para a escola.
No caminho, o simpático M. Roméo me cumprimentou. Ele estava tirando os resquícios de neve da frente de sua adorável padaria. O cheiro de pão e todo tipo de guloseimas inundava toda a rua, e Roméo era muito querido por todos, inclusive por meu avô. Os dois eram grandes amigos. Ao me ver, o velho francês me perguntou:
- Não vai comer nada hoje rapaz?
- Não, estou um pouco atrasado. - Respondo tentando soar simpático.
- Nunca estamos atrasados o suficiente para um bom croissant. Espere um minuto. - E Roméo entra alegremente em sua padaria. Ele volta com um saquinho marrom nas mãos.
- Tome rapaz. Coma quando puder. -Ele me oferece o saquinho, que continha um croissant quentinho, com um aroma muito agradável.
- Obrigado M. Roméo, mas estou sem dinheiro.
- Deixe disso rapaz. É cortesia da casa, é pela grande amizade que eu tinha com seu avô.Sorrio cordialmente e me despeço. Em cinco minutos, chego na escola.
Após a aula de matemática, vou para biblioteca, onde encontro o velho Finn, em sua tradicional leitura matinal das notícias canadenses. Aproveitei que a biblioteca estava vazia para pormos a conversa em dia. Adorávamos conversar sobre literatura, e acidamente falar todo tipo de bobagem sobre os autores. Parecíamos duas branquelas americanas julgando as divas do pop, mas em uma versão mais erudita. Era divertido e me desprendia um pouco da realidade. Contudo, o clima jovial-arcaico foi interrompido quando Finn proferiu o seguinte:
- Tive um sonho esquisito com você ontem a noite.
- Hum. Meu avô costumava dizer que sonhar com alguém da nossa família era um mal presságio. - Os dois caem na gargalhada.
- Mas é sério. Foi um sonho esquisito. Sonhei que estava no Niágara, e que sua voz me dava alguns comandos esquisitos...Fiquei totalmente sem reação. Será que o método tinha falhado? Tentei contornar o assunto, mas como Finn não era bobo, logo começou a questionar.
- Você tem algo a ver com isso, não é?
- Não cara, isso deve ter sido uma reação a nossa convivência misturada com anseios do seu subconsciente. - Disse a frase intercalada com gargalhadas, em uma falha tentativa de disfarçar o que estava acontecendo.
- Hum, onde você viu isso? Naquele livro de capa de couro que você carrega na bolsa?Xinguei Finn mentalmente naquele momento. Xeque mate, ele tinha vencido. O desgraçado era esperto demais até pra mim. Tentei, mais uma vez, trocar de assunto pagando de vitimismo:
- Você estava lendo? Aquilo era extremamente pessoal! Você não tinha nenhum direito!!!
- Calma Ryan. Eu não contei pra ninguém. Mas, aquele livro me deixou bem intrigado, pelo pouco que eu li.Não via outra opção a não ser contar a verdade. Contei sobre acerca do livro, do meu avô, do Ulrick e todo aquela loucura de se vingar da família Grimaldi. Finn, com aquela frieza inumana, me observava atencioso, como um cachorrinho que observa o peru do dia de ação de graças assando no forno. Após contar a história maluca, estava preparado pra por Finn para dormir e apagar a memória dele, e fazer ele acreditar que aquilo era outro sonho, já que era claro em suas pupilas a concentração que ele dedicara em cada palavra que eu proferi. Contudo, surpreendo-me com sua reação:
- Tá, entendi o que está acontecendo. Você concorda que vai precisar de ajuda para isso, certo? Então, gostaria de me juntar ao plano, se você quiser, é claro...
A ideia de ter um parceiro era muito boa. Já tinha vendido minha alma para o diabo mesmo, então levar mais um comigo na tentativa de salvá-la não faria muita diferença. Em 5 minutos com Finn na frente do computador da bibliotecária, eu já tinha um químico clandestino, um mercenário, e claro, meu técnico hacker, ao meu dispor para rastrear qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, tudo isso na palma da mão e com patrocínio do maravilhoso mundo da deep web, que Finn conhecia como o quintal de casa.
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Mind Killer: O assassino da sanidade
ActionRyan na maior parte do tempo é um adolescente comum terminando o ensino médio, mas tem uma profissão bastante incomum: manipular mentes. Essa obra é o relato das aventuras e experiências do jovem assassino