Capítulo 1 • O encontro

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Alguém está batendo na porta com muita força. Minha mãe se levantou do sofá com aquela disposição de domingo para atender. Quem poderia ser? Não estamos esperando ninguém, ainda mais com essa falta de educação. Essa pessoa não sabe que existe campainha?

Quando ela abriu a porta ficou muito surpresa, não sei se a pressão dela baixou, estava vendo a hora dela cair no chão.

-    Mãe, quem é? - Falei quase gritando.

Ela ainda perplexa com a situação olhou para mim e fez um sinal com as mãos para me acalmar que já respondia minha pergunta. Fiquei encostada na escada escutando o que estavam conversando.

-    Vanessa! Quanto tempo que não te vejo. Desculpa chegar assim, sem avisar - Ele falou em português com ela? Quais são as possibilidades de isso acontecer em Seattle? Será que ele é alguém que a mamãe conheceu na época que visitou o Brasil?

-    Como sabe onde moro? - Ela empurrou os óculos para cima do nariz expressando indignação.

-    Encontrei o seu irmão na orla de Boa Viagem, perto de onde nós tomávamos água de coco, lembra?

-    Sim, lembro... - Sentia que essas expressões no rosto dela de desafeto não resultavam em um sentimento bom.

-    Ele disse seu endereço depois que contei toda a nossa história. - Estou imaginando que isso tudo vai terminar como uma novela mexicana, vou pegar a pipoca que está em cima da mesa.

-    O que você quer aqui então?

-    Já fazem 16 anos de tudo! Você sempre soube que o meu maior sonho é ter filhos, e agora que descobri que tenho uma linda filha chamada Alana, quero conhecê-la.

-    Não sei se essa é uma boa hora.

-    Vanessa, eu sou o pai dela!

Quando voltei com a pipoca na mão olhei para o rosto dele com a porta se fechando. Era muito parecido com o meu. Não pode ser ele! A pipoca caiu todinha no chão e eu fui junto, desmaiando.

Acordei no chão. Está tudo bem. É só disso que me lembro. Que dia é hoje mesmo? Acho que estava comendo pipoca a poucos minutos, minha boca está salgada. Será que estou sozinha em casa?

-    Mãe?

-    Oi filha - ela responde saindo da cozinha preocupada.

-    O que aconteceu? Por que estou no chão? - Minha fala estava trêmula e o medo me consome. Ela percebendo isso, olhou para o meu rosto e passou a mão nas minhas bochechas.

-    Tenha calma! É muita coisa para você absorver de uma vez só, mas não tenho mais tempo de esconder o que faz parte de você. - Ela me abraça e respira fundo - Filha, o seu pai está aqui para te ver.

Ele simplesmente saiu da cozinha e veio em direção a mim. Os olhos eram idênticos aos meus, o sorriso, a boca, o jeito de andar. Estava sem palavras. Não sabia o que fazer. Toda jogada no chão, nunca iria se passar pela minha cabeça que conheceria meu pai biológico desse jeito, toda desarrumada.

-    Não acredito que você está na minha frente, minha filha, só minha - Ele falava me abraçando e chorando.

-    Meu sonho era te conhecer! Mesmo sabendo tão pouco sobre quem você é.

Nunca consegui imaginar como ele seria fisicamente. Já tinha cansado de procurar alguma foto dele para tentar imaginar como seria o meu "misterioso" pai. Cada vez mais estava me frustrando por não encontrar nada sobre ele. Sentindo um vazio dentro de mim que precisava ser preenchido, sem nem perceber e conhecer o que me fazia falta. Tinha como rotina estar constantemente tentando me completar com coisas que nem sabia que poderia suprir o que precisava. Apesar de todas as minhas dificuldades em não saber quem ele seria, nunca deixei que essa falta que me faltava tirasse a minha felicidade em existir. Até que na minha infância criei um herói para se chamar de meu, que poderia me proteger em qualquer lugar.

-    Olha, nós vamos ter um tempo para melhorarmos essa coisa de pai e filha. Tudo é muito novo para você e para mim, então combinei com a Vanessa para você morar uns meses comigo no Brasil, topa?

- Não sei se seria uma boa ideia...

Desde pequena falei português em casa, mas ainda tenho medo de errar algumas palavras. É bem diferente ir para um país que falam a língua todo o tempo, acho que os brasileiros vão achar engraçado meu sotaque. Meu sonho é conhecer o mundo e novas culturas.

-    Olha, você poderia ir comigo para Recife. Você poderá conhecer a sua família também, eles estão ansiosos para ver a garota linda que você é. Bem parecida comigo, vamos ser realistas! - rimos juntos, menos a mamãe que não estava querendo participar muito. Ela resolveu subir para o quarto e nos dar mais privacidade. Ela soube respeitar o nossa oportunidade única de nos conhecer, mas fico insegura com "esse homem desconhecido dizendo que é meu pai".

Passamos mais de duas horas sentados na mesa da cozinha tomando café preto. Consegui aprimorar meu português com a nossa conversa sobre Carnaval, Maracatu e gírias recifenses. Concluí que é muita criatividade do povo atribuir novos significados para uma só palavra. E o boysinho e boysinha? Entramos em muitas gargalhadas e em nenhum momento foi estranho estar ao lado dele, ele era absolutamente tudo o que eu poderia esperar encontrar. Porém, ainda fico confusa do que tenha acontecido todos esses anos.

-    Já está ficando tarde e preciso voltar para o hotel. Alana, iremos viajar essa semana. Não tive tempo de conhecer essa parte dos Estados Unidos, então você terá uns dias para se despedir dos amigos e arrumar as malas.

-    Adorei a ideia! E posso te dizer uma coisa?

-    Diga minha flor - peguei nas mãos dele e falei...

-    Pai, obrigada por existir! - ele sorriu e me deu um beijo na testa.

Ele caminha até a porta. Até que enfim já colocando a mão na maçaneta se despediu com um sorriso. Quando vi a porta se fechando, lágrimas caíram dos meus olhos vendo ele desaparecer, mesmo sabendo que ele irá voltar.

Escutando o barulho dos passos ecoando pela escada. Sinto que preciso normalizar minha respiração para entender o que ela tem a falar porque toda vez que tocava no assunto sobre o meu pai nunca conseguia ter uma conversa civilizada com a mamãe, agora a senhorita Vanessa não tem como fugir! "Tivemos um namoro rápido e não consegui manter contato após descobrir da gravidez", isso era o que sempre me dizia. Através dela só descobri durante toda minha vida o básico do básico. Suponho que ela tenha alguma repulsão em falar sobre ele.

Quando a mamãe aparece através das escadas começa a chorar junto comigo, se desculpando e correndo para me abraçar.

-    Filha, é muito difícil educar alguém sozinha. Muitas vezes parei para pensar no que iria te dizer, na forma que passaria para você tudo o que precisava saber, mas não tive um marido ao meu lado para me ajudar a te criar. Nós passamos por todas experiências juntas e tentei fazer da melhor forma, pois você só era uma garotinha.

-    Mãe, está tudo bem. Você não estava completamente sozinha, nossa família nos deu tudo o que precisávamos. O que só não entendo é o porquê você ficou fazendo aquelas caretas antes de ele entrar na nossa casa - rapidamente ela descola seu corpo do meu e percebo que fica desconfortável.

- Meus sentimentos em relação a ele não é um assunto que diz respeito a você. Ele é seu pai, ok! Mas você não tem que se meter no meu relacionamento com ele.

-    Não acredito que você vai começar a esconder coisas diante dessa situação! - Olhei para baixo com a cara emburrada e corri para meu quarto.

E novamente deito na minha cama começando a pensar, dessa vez, em milhares de coisas que poderiam ter acontecido com eles para chegarem a esse nível de sentir rejeição um pelo outro.

"Sem dúvidas, a mamãe está estranha. Será que o relacionamento deles foi algo mal resolvido? Será que ela ainda gosta dele, mas tem medo de expressar? Eu não sei como vou sobreviver nesse turbilhão de emoções. Boa noite meu querido diário e me ajude com alguma resposta. Com amor, Alana."

A Redescoberta De AlanaOnde histórias criam vida. Descubra agora