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12 de fevereiro de 2019

O sol da manhã espreitava mansamente pela janela da cozinha da Symons e o cheiro de café parecia bocejar com preguiça no ar. Esse era o momento do dia que Ava mais gostava: bem cedo, quando as horas ainda guardavam todas as possibilidades de tudo que um dia poderia reservar. 

Ela aguava Martha com carinho, concentrada na mecânica de encher de água um pequeno regador de plástico, despejá-la devagar sobre sua plantinha e ignorar seus pensamentos teimosos e impertinentes. Ignorar suas dúvidas. Ignorar sua vida.

Ela sorriu para Martha e a posicionou perto de um raio dourado de sol, o que deixou seu verde radiante.

08:11

Ava suspirou e levou os dedos aos seus lábios, fechando os olhos. Ela queria viajar no tempo naquele instante. Será que ela poderia viajar de volta para dentro de uma viagem do tempo? 

20 de junho de 2017

Ela havia batido na porta antes, porém ele não a ouvira, pois dentro do quarto tocava um solo estridente de guitarra e bateria em volume médio. Ava entrou mesmo assim, devagar, e encontrou Osmond em sua escrivaninha, debruçado sobre uma pilha de papéis desorganizados. Ele rabiscava em uma folha de maneira pensativa, seus cabelos castanhos e lisos caindo-lhe na testa e os lábios franzidos.

Ava se aproximou dele e deu uma olhada nas anotações por sobre seu ombro: fórmulas e mais fórmulas furiosas pareciam formar tempestades nos papéis, tempestades de física quântica, e Osmond estava tão perdido no meio delas que nem mesmo reparara a chegada de Ava.

Ela deu um pigarro e esperou que ele notasse sua presença. Osmond rabiscou com raiva o papel, embolando-o entre os dedos e o arremessando em uma pilha que já transbordava do lixo.

- Ei, você. - Ava mostrou para ele as pastas que ela trouxera. - Jared pediu para te entregar esses arquivos.

O rapaz esfregou o rosto, respirou  bem fundo e olhou para Ava numa expressão nublada de contrariedade.

- Programação digital é mil vezes mais fácil que essa droga. - ele comentou, passando a mão nas mexas despenteadas do seu cabelo.

Ava deu um sorriso condescendente e colocou as pastas dentro da primeira gaveta da escrivaninha dele, onde ele seria capaz de as encontrar depois.

- Às vezes você só precisa descansar um pouco. Ou ver as coisas por uma perspectiva diferente. - ela o observou recomeçar freneticamente a conta que estava fazendo. - Aposto que você está cometendo o mesmo erro sem parar e nem está percebendo. 

Mas Osmond mal ouviu, pois estava outra vez envolto nos trovões dos seus pensamentos desordenados. A menina balançou a cabeça em reprovação e já ia sair do quarto quando algo chamou sua atenção: sobre a cama de baixo do beliche que era de Osmond, entre cobertores embolados, havia um caderno grosso cheio de folhas soltas e coladas entre as páginas, algumas delas espalhadas perto do travesseiro e uma delas desdobrada e caída no chão.

Ava se abaixou e pegou o papel, observando com admiração os traços em carvão cheios do sentimentalismo que ela já tão bem conhecia. Era um desenho que retratava Osmond sentado na janela do sótão com o rosto voltado para fora e os cabelos desordenados. A perspectiva lateral dava pouca visão da expressão do rapaz, mas era possível notar sua sobrancelha franzida naquele olhar intenso de tempestade contida que ele tinha, o canto dos lábios comprimido e os tendões do seu braço tensionados, sua mão segurando o calcanhar que ele tinha cruzado perto de si.

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