As Consequências Chegam: Punições Para Rebeldia

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Para ajudar o selvagem a fugir da confusão, Bernard e Helmohotz, este único amigo desse que se tornara, com o tempo, um grande amigo daquele também, apareceram para tentar acalmar as pessoas que estavam agredindo John. De nada adiantou, Bernard com medo apenas assistiu a briga de longe, já Helmohtz logo entrou na batalha para não deixar o novo habitante da sociedade na mão, toda via, sem conseguir oferecer grande ajuda ao selvagem. Então chega a polícia de repressão a motins colocando uma música calmante especial, pois vai ao encontro do condicionamento das pessoas, e lançando gás de soma em todos os baderneiros. Logo depois prendem os três camaradas e os levam para a sala de Mustafá Mond.

Chegando à sala de Mond, todos, com exceção de Bernard Marx, pareciam ter se esquecido da perigosa punição que poderia os aguardar e ficaram discutindo suas visões de mundo e o que achavam errado naquela sociedade utópica. Como tanto John quanto Helmholts eram apaixonados pelas artes, eles discutiram com Mustafá o porquê de a verdadeira arte não ser permitida na sociedade. Ele explica que esse é o preço da estabilidade, que "é preciso escolher entre a felicidade e o que outrora se chamava a grande arte" (HUXLEY, 1932, p. 102), e que ele preferia a felicidade promovida pela estabilidade a todo o fulgor oriundo das artes. E que justamente para manter a estabilidade era inviável apresentar espetáculos trágicos e com conteúdos interessantes, afinal a ignorância por vezes é uma virtude, sobretudo quando ela torna imperceptíveis os males da sociedade. Se esse é o preço a se pagar para que a utopia se mantenha firme e forte ele aceitaria, mesmo que a contragosto, pagar, afinal, como o próprio Ford diz:

não se pode fazer tragédia sem instabilidade social. O mundo é estável, agora. As pessoas são felizes, conseguem o que querem e nunca querem aquilo que não podem ter. Sentem-se bem, estão seguras, nunca estão doentes, não receiam a morte, vivem numa serena ignorância da paixão e velhice (HUXLEY, 1932, p. 101).

O Selvagem também não entendia a necessidade dos Bokanovsky, das castas inferiores, se eles tinham condições de produzir apenas alfas-mais-mais, por que não os faziam? O que ele ignorava era que uma sociedade em que todos têm as mesmas capacidades e são delegados cargos superiores e inferiores, as pessoas da base nunca estariam felizes, pois almejam o topo e as pessoas do topo também não estariam felizes, por terem medo de uma revolta dos da base, então uma realidade feliz e estável seria impossível. Claro que o grande medo deles era de que a população "corte as cabeças" dos que estão no topo, e como eles não têm vontade de se fazer estrangular, permitir a igualdade seria uma loucura. Tanto que segundo o administrador da Europa isso até já tinha sido tentado como experiência em uma ilha, e o resultado foi desastroso, toda a instabilidade gerada pela luta de classes acabou por causar uma guerra civil que levou à morte de aproximadamente 86% da população local. E é justamente por isso que se fazem necessários os vários "clones" das classes inferiores, porque eles que são condicionados a gostar do que fazem e têm biologicamente suas capacidades cerebrais reduzidas para que jamais se levantem contra os Alfas. Tanto que, para Sua Fordeza, a sociedade ideal, a população ótima, "deve obedecer ao modelo iceberg: oito nonos abaixo da linha de flutuação, um nono acima da linha" (HUXLEY, 1932, p. 103), e ele diz mais, os que estão abaixo da linha são mais felizes do que os acima, porque vivem na ignorância entre seu trabalho e seu lazer, não conseguindo questionar o mundo atingem a verdadeira felicidade.

O administrador residente da Europa ainda diz ao selvagem que as pessoas gostam tanto do trabalho, mesmo os Épsilons, que cortar a sua jornada de trabalho seria uma verdadeira punição. Que havia sido feito mais este teste no qual reduziram a carga horária de trabalho pela metade, o que gerou apenas uma grande instabilidade emocional, as pessoas sem terem suas mentes ocupadas pelo trabalho acabaram por se obrigarem a fugir da realidade pelo Soma, disparando o consumo da droga.

E para que fosse possível toda essa sociedade utópica não só a arte deveria sofrer as consequências, mas também a ciência. É bem verdade que eles eram condicionados a amar a ciência, porém não era dito a eles o que verdadeiramente é a ciência pura. Afinal como é contado no livro "qualquer mudança é uma ameaça para a estabilidade" (HUXLEY, 1932, p. 104), portanto "qualquer descoberta da ciência pura é potencialmente subversiva; qualquer ciência deve ser, às vezes, tratada como um possível inimigo" (HUXLEY, 1932, p. 104). Justamente por isso eles pensavam muito antes de empregar algum novo artefato tecnológico, tanto que Mustafá, grande físico quando mais jovem, quase foi exilado, portanto toda a ciência deles na verdade "não passa, afinal, de um livro de cozinha, com uma teoria ortodoxa da arte culinária de que ninguém tem o direito de duvidar e uma lista de receitas às quais é preciso nada acrescentar, a não ser com a autorização do Primeiro Chefe" (HUXLEY, 1932, p. 104).

E como naquela sociedade pessoas como os quatro teriam de ser punidas para que não disseminassem tais ideais subversivos, cada um recebeu sua devida punição. Para Bernard e Helmholts a punição seria serem enviados para uma ilha, coisa que o primeiro achava horrível, já que durante toda sua vida foi-lhe dito o quão ruim seria ser exilado. Para o "Primeiro Chefe", a punição foi ter escolhido a felicidade dos outros não à dele, ao invés de ir para a ilha e continuar com suas pesquisas, ficou e se tornou um administrador. Para o Selvagem vinha a pior punição: a de não poder partir, pois era de certa forma um experimento de Mond, e não querer ficar naquela sociedade podre e longe de seus amigos.

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