Capítulo 16

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P.O.V TRIZ 

Jill e eu viramos à direita no escuro corredor de pedra. Nunca estive deste lado do castelo antes. Se fosse algum dia ensolarado de semana, talvez eu ficasse animada com a possibilidade de explorar um local desconhecido, mas hoje, numa manhã fria e nublada como esta, minha curiosidade ficou na cama enrolada no cobertor. 
- Ouviu isso? - Jill volta bruscamente a cabeça, os olhos arregalados visualizando freneticamente o caminho pelo qual acabamos de passar. 
- Deve ser outra goteira, Jill - respondo, puxando - a pela mão com o intuito de seguirmos em frente. Estranho é pouco para explicar como Jill tem andado nos últimos três meses. No dia seguinte à festa de Halloween, ela perguntou a cada aluno, professor e fantasma que encontrou se ele lembrava do havia acontecido no dia anterior durante a festa. A resposta era unânime : não. Também percebi que ela tem estado muito frágil ultimamente, sempre alerta, como se estivesse com medo de que, caso se distraia apenas por um segundo,alguém enfie uma faca em suas costas. 
É fácil avistar a fraca luz da manhã vinda da saída deste corredor sem janelas. Mas, antes que possamos chegar a metade do corredor, Jill firma os pés no chão, agarrando meu braço com força com ambas mãos. 
-E agora? - Murmura. - Você ouviu isso? 
Reviro os olhos. 
-Isso o q... 
- PERIGO! 
Dizer que Jill se assustou é eufemismo. Falar que seu coração quase escapou pela boca é amenizar a situação. Desesperadamente, ela se joga contra a pedra fria, apertando os olhos, a boca aberta num grito agudo e estrangulado. Mesmo tapando as orelhas com as palmas das mãos, sinto seu grito perfurar meus tímpanos. Jill desaba no chão, as costas contra à parede, e, ainda gritando, engatinha/corre na direção contrária à saída. 
- Jill, volte aqui!- grito,correndo atrás dela. Arregaçando as mangas da blusa de frio, agarro seus tornozelos e a arrasto de volta enquanto ela se debate. Pelo canto do olho vejo Caleb retirar a capa de invisibilidade que o envolvia, a mesma que eu o emprestei alguns dias atrás para que ele pudesse pegar livros da seção reservada sem precisar da autorização de um professor. Ele ajoelha no chão, curvado de tanto rir. 
Seguro os pulsos de Jill, que ainda se debate violentamente no chão, até que ela se acalme. Não demora muito, e logo o único som que ouvimos é a risada eufórica de Caleb, que agora apoia uma mão na parede para tentar se erguer. 
Percebo que Jill entendeu o que acabou de acontecer, pois me empurra para o lado e se levanta do chão furiosa, apertando os olhos para Caleb. 
Com medo de que minha melhor amiga se torne uma assassina de príncipes,seguro Jill em um abraço de urso, travando meus braços ao seu redor, enquanto ela avança para o garoto, os braços estendidos, as mãos coçando para estrangular um certo louro dos olhos azuis que finalmente parou de rir ao entender a seriedade da situação. 
Se algum dia, um bruxo qualquer me dissesse que foi capaz de se meter com a Jill, no estado em que ela se encontra agora , eu o chamaria de louco e o internaria num hospício. Mas não tenho muitas opções neste momento. Além disso, não sou uma bruxa qualquer. 
Fecho os olhos, enviando ondas de energia e poder para os meus braços. Imagino a magia como sangue correndo através das veias, sentindo meus membros superiores enrijecerem. Agora, mais duro do que rocha, meus braços formam uma prisão particular para Jill. Chamo este truque de Prisão de Diamante. 
Quando Jill finalmente aceita que lutar contra mim é inútil, mando-lhe uma mensagem mental: eu cuido disso. 
Avanço para Caleb. 
-Caleb -digo sorrindo docemente, e então lhe soco no ombro com força. Ele perde o equilíbrio e se choca contra a parede. - Que droga foi aquela?- Ele se encolhe com o ombro machucado. Deve estar realmente doendo, pois acabo de perceber que ainda estava no modo "Prisão de Diamante "quando lhe desferi o soco. Mas não vou me desculpar. Não agora . 
-Que isso, Triz? - Ele abraça o ombro ferido, gemendo de dor. - Foi só uma brincadeira. - Ele faz uma pausa. - Isso não aconteceria se vocês tivessem - ele fecha o punho, esticando o indicador e o dedo médio e tocando sua têmpora com eles. - Unagi. 
A parte erudita de Jill surge por trás da fachada furiosa, e ela tomba a cabeça para o lado, curiosa. 
- Unagi? O que é isso? - Ela arqueia a sobrancelha. 
- Isso não é sushi? - respondo -lhe com outra pergunta, ainda um pouco zangada com Caleb. Ele sabe do estado frágil de Jill e não tinha o direito de assustá-la desse jeito. Não foi para isso que lhe emprestei a capa . 
- Não, não é - Caleb diz, levemente ofendido, acenando para que avancemos no corredor. Andamos lado a lado. -Unagi define um estado de consciência total, onde a velocidade de reação é tão rápida que funciona quase como um sexto sentido. 
Jill pisca os olhos várias vezes, antes de se virar para mim. 
- Ah, é mesmo, Triz. Unagi é uma enguia usada para fazer sushi. - Ela provoca. 
De cara amarrada, Caleb sai pisando forte até a saída. Triz e eu o seguimos. 
O corredor desemboca em um gigantesco espaço aberto. Árvores de troncos robustos e copas cheias rodeiam o lugar como uma cerca viva. O ponto de encontro de vários caminhos de pedra é uma fonte extensa e rasa, com águas cristalinas protegidas por um anjo de mármore branco, que nos observa do alto de um pedestal no centro da fonte. A expressão do anjo é suave, mas atenta, como se ele estivesse prestes a empunhalar com sua lâmina a primeira pessoa que ousasse desafiar sua autoridade. Com certeza não serei eu essa pessoa. 
Alex está sentado na beirada de pedra da fonte. 
- Desculpe, Caleb -digo quando o alcançamos, segurando o riso. - Poderia, por favor, nos contar mais sobre esse tal sexto sentido? 
Nos aproximamos de Alex e o cumprimentamos. Caleb se volta para mim e Jill. Então ele dirige -se a Jill , que claramente não tem o menor interesse na sua explicação, com a intenção de provocá -la. 
- Quando o indivíduo alcança o Unagi, pode se defender de qualquer perigo em qualquer momento. Alcançar o Unagi permite a uma pessoa entrar em um estado de percepção total, prevendo o futuro imediato através da linguagem corporal, movimento de um objeto e qualquer coisa que é possível assumir a partir de física básica. Se você, Jill, fosse capaz de alcançar o Unagi - ele repete o movimento de dois dedos na sua têmpora, quase uma saudação. - Não teria se assustado tão facilmente lá atrás. 
Eles fuzilam um ao outro com o olhar. 
- Se você disser Unagi - ela imita a saudação de Caleb. - mais uma vez, arranco fora sua mão e enfio garganta abaixo . 
-Essa ameaça só prova o quanto você está longe de alcançar o - lá vem o gesto de novo. -Unagi . 
Jill: 01 X Caleb: 01. 
Estamos empatados, senhoras e senhores. 
Eu me preocuparia que as mãos de Jill se encontrassem com o pescoço do príncipe se não fosse o sorriso bobo no rosto de ambos. 
- Ainda não entendi porque estamos aqui -dispara Alex, de cara fechada e braços cruzados. 
- Estamos aqui porque McGonagall exigiu. Ponto. - digo simplesmente. 
Alguns dias atrás, a professora Minerva McGonagall nos avisou sobre o início dos treinos para o Torneio Voraz. Estranhamos, pois nunca tínhamos ouvido falar sobre treinos para o torneio. Na verdade, sequer sabíamos que era possível treinar para uma competição desse tipo. Mas a diretora da casa Grifinória nos explicou que esses treinos serviriam para aprendermos a controlar nossas habilidades de Conjuradores Naturais durante o torneio. 
- Se este é um treino para todos os Conjuradores , então porque Lilith não veio? - Alex questiona. 
Sinto Jill estremecer ao meu lado à simples menção do nome da quinta conjuradora. Essa outra coisa que percebi nela após o Halloween. Apenas diga Lilith ou Patch perto dela e seu corpo é tomado por calafrios. 
"Como é que eu vou saber?". Essa era minha resposta para Alex. Estava na ponta da língua, mas sou impedida de pronunciá-la em voz alta quando Caleb aponta para algum ponto atrás de mim . 
- Olha lá . 
Me viro. Algumas pessoas estão de pé em uma elevação de terra ao longe, próximas à cerca de árvores. Deduzo ser a equipe de TV que filmará todos os desafios do torneio. A equipe consiste em uma mulher loura com a cabeça parcialmente raspada, um jovem muito magro e um cinegrafista com pesadas câmeras móveis que se encaixam em seu corpo como casca de insetos. 
- O que eles estão fazendo com aquilo? Não é costume utilizar equipamento trouxa para acompanhar o torneio - Caleb aponta para as câmeras. 
Dou de ombros. 
- A Seção de Controle do Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas deve ter autorizado. 
Todos confirmam com a cabeça. 
Um gato cinzento malhado salta para a beira da fonte. Alex estende a mão para acariciá-lo. Oh-oh... 
- Eu não faria isso se fosse você. -Digo, porém Alex finge não ouvir. 
Eles ignorou meu aviso bem - intencionado e tenho certeza de que se arrependeu. O gato muda de forma, esticando e alongando sua silhueta, até se transformar em uma mulher alta, de aparência severa e cabelos grisalhos escondidos debaixo de um chapéu pontiagudos, os olhos verdes nos encarando com impaciência. 
Professora Minerva McGonagall. 
Alex se afasta,assustado. Mordo o lábio, implorando mentalmente para não rir,enquanto Alex baixa a cabeça, se desculpando. 
Minerva bate palmas, e num piscar de olhos, toda a equipe de filmagem aparece ao seu lado. 
- Estes são Cressida - ela apresenta a mulher loura , que imagino ser a diretora da equipe de TV. É possível enxergar uma trepadeira tatuada na área raspada de sua cabeça. Também percebo que ela está mais interessada em lançar olhares raivosos na direção do cinegrafista -que é muito bonito, por sinal, embora seu rosto não seja muito visível por trás do visor do capacete -do que em nos conhecer. Não sei o motivo, mas ela me assusta. - , Messalla - este é o jovem magro com vários conjuntos de brincos .- E Arthur.- Ela indica o cinegrafista, que ainda veste a câmera - casca - de - inseto, o capacete cobrindo boa parte o rosto. Quando o capacete se retrai, vejo o rosto de um jovem louro, forte e de olhos azuis. Ele parece sentir os olhos de Cressida sobre si e aparenta estar desconfortável com isso . 
É impressão minha ou sua aparência é extremamente semelhante a de caleb? 
- Não vamos atrapalhar os treinos. - Diz Messalla.- Ficaremos apenas tempo suficiente para posicionar as câmeras neste pátio até a Cerimônia de Abertura do torneio. 
- Portanto, - avisa McGonagall. - tratem de iniciar o treinamento já. 
Ela bate palmas novamente. Ouço um som estranho vindo de trás de mim e me viro. Um grande centro de treinamento brota lentamente através da grama brilhante: bonecos de espuma e alvos circulares espalhados por toda parte; um palco quadrangular central destinado à lutas físicas; uma sala grande, com teto e paredes de vidro; uma mesa de madeira com armas variadas como espadas, facas e adagas, lanças, tridentes, machados, arcos e flechas, bumerangues, zarabatanas, bestas, chicotes, hunga mungas e estrepes. Cinco uniformes pretos(uma para Lilith, imagino) estão penduradas em ganchos na parede lateral da sala de vidro. Mesmo daqui, consigo ver que elas são muito, muito, muito justas. 
Quando olho ao redor, vejo que Minerva já se foi. A equipe de TV agora se encontra espalhada pelo lugar, o equipamento em mãos, focados em seus afazeres. Pegamos os uniformes e nos aquecemos para iniciar o treinamento. 

Desventuras em HogwartsWhere stories live. Discover now