*Cap. 1 - INTERESSES

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O excesso de trabalho pressionava Suna Ferraz, mas os afazeres a mantinham longe de algumas difíceis recordações. O emprego de gerente no restaurante Maresia consumia suas energias, cansava o corpo e os pensamentos, como também, empolgava-a ao negociar com fornecedores, administrar as atividades dos garçons, cozinheiros e ajudantes, ou resolver quaisquer queixas dos clientes. 


O relaxamento era só para os sentidos quando mirava a imensidão do mar que batia nas areias da baía, metros à frente do restaurante, através das paredes de vidro que rodeava o estabelecimento, ou pelos cheiros dos pratos sendo preparados, que impregnavam as narinas com a vivacidade do dendê, da pimenta-de-cheiro e das ervas, entre os diversos tipos de peixes, crustáceos e mariscos.


Havia preparado o restaurante de forma impecável especialmente para aquela de sexta-feira, início de março, de tempo instável e abafado. A chuva e o movimento intenso deixaram Suna ansiosa, porque em uma das mesas reservadas estava o renomado neurocirurgião, Vicente Maximo, conversando com dois amigos, frequentadores do Maresia. A senhora Corina, que junto ao esposo, senhor Carlo, era proprietária do restaurante, recomendara que o atendimento fosse perfeito, pois o médico era um homem de grande prestígio na sociedade e vinha ao estabelecimento pela primeira vez.


Ao se sentir segura acerca de suas tarefas, Suna fora cuidar da aparência e escolhera o melhor terninho na cor bordô, que caía bem no corpo, esguio e de curvas suaves, que se acentuava no tronco devido à cintura fina, acompanhado de um par de scarpin escuro. Tinha feito um coque frouxo nos longos cabelos castanhos e puxara alguns fios para harmonizar com o rosto estreito. Nas pálpebras ainda havia aplicado sombra nos tons terracota, na parte interna e, na externa, escura, de forma a valorizar os olhos castanhos claros. Nos lábios, preferira um tom nude.


Naquele instante, do fundo do restaurante, a garota observava a mesa onde os três conversavam e bebericavam uísque, enquanto ajudava no caixa. Eram homens bem afeiçoados e ela conhecia dois deles. Um era Marcel Filares, um advogado negro que mantinha os cabelos curtos, possuía traços proporcionais e dentes perfeitos, era simpático, elegante e educado, sempre que aparecia no estabelecimento procurava conversar e já trocaram ideias sobre alguns assuntos triviais. O outro, Diego Pio, era menos conversador e parecia mais relaxado, ostentava uma barba bem-feita castanha escura, tinha a pele clara, como a sua, e um olhar obscuro. 


Já o cirurgião, que devia ter em torno dos 35 anos, era dono de uma cabeleira lisa, cortada em camadas acima da nuca. O nariz era comprido e a pele, dourada. Através da blusa azul, percebiam-se os braços musculosos e o peitoral avantajado. O sorriso era escasso, contudo, nos raros instantes em que flexionara os lábios, expunha a dentição alva de caninos proeminentes.


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Vicente Max era um homem fechado, que transmitia segurança e estabilidade. Dono de um coração rude, tinha um ponto fraco que fugia do seu controle, desde muito jovem. Ele pensava que, com o tempo, aquilo fosse lhe causar menos interesse. Só que, de maneira contrária, a solidez que o sucesso lhe proporcionara, mais instigava os instintos. 


Os amigos, Marcel e Diego, eram os únicos que conheciam desse segredo, apesar de rumores nos hospitais em que operava, ou nos congressos de que participava, tenderem a acusá-lo de práticas exóticas e estranhas. Os amigos sabiam que aquela situação não caía bem para a reputação do neurocirurgião. Marcel e Diego tentavam convencê-lo a tomar uma atitude para arrefecer os boatos.

SÓ POR UM ANO (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora