Conto de Fadas

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Uma vez por semana, pela manhã, Rose se apressava para acompanhar os soldados em seu treino. Ficava ali próximo a área de combate, escondida, apenas admirando os movimentos que eram feitos com as espadas, a forma que a empunhavam e até mesmo o barulho das lâminas quando se encontravam, e então voltava para casa satisfeita e sonhadora, imaginando a si mesma, vestindo uma armadura e manuseando uma espada. Em casa, Rose costumava imitar os movimentos dos guerreiros com qualquer objeto que lembrasse uma espada; sua mãe, Dona Firmina como era conhecida na região, trabalhava para o sargento Miguel Gonzalez, cuidava da casa e lhe lavava suas roupas em troca de algumas moedas. Naquele dia, D. Firmina voltava de mais um dia de serviço, e ao ver sua filha fazendo movimentos similares aos que os soldados praticavam, acertou-lhe um tapa no rosto por impulso e a repreendeu.
-Nunca mais repita esses movimentos, Rose! E nem sequer os admire!
  Sem entender o motivo da repreensão, a inocente garota apenas calou-se. Claro, os soldados eram homens cruéis e abomináveis para a sociedade de classe baixa e principalmente para os negros, a mãe de Rose temia o destino de sua menina, por conta da cor de sua pele e suas condições de vida, naquela época era normal ter esse tipo de preocupação, e mesmo sendo rígida, D. Firmina se dedicava para dar a Rose, o melhor que podia.
  No dia seguinte, a pedido de sua mãe, Rose sai para comprar alguns pães, e na fila de espera, havia alguém que lhe chamava atenção, na verdade, todos os olhares estavam voltados para uma única pessoa: um garoto de cabelos dourados, que usava trajes finos e tinha olhos azuis como o oceano, ah... Um verdadeiro príncipe, como os de contos de fada. Mas o que a intrigava era: o que alguém como ele estaria fazendo num lugar como aquele, sujo e abandonado pelo governo? Enquanto titubeava em seus pensamentos, Rose ouvia a conversa entre o garoto e uma mulher que estava ao seu lado.
-Senhor, por favor, se vosso pai descobrir que você está num lugar como esse, me corta a cabeça! - implorava a senhorita.
-Ah Jade, acalme-se. Estou com muita vontade de saborear este pão, tem um cheiro tão bom... - dizia o garoto esticando o pescoço para sentir mais do cheiro que vinha da cozinha.
-Está bem, eu comprarei, mas vamos logo, ou se atrasará para seu treino com o sargento. - a moça ultrapassou os outros clientes na fila para que pudesse logo ir embora.
Não era novidade que Rose nunca se continha quando o assunto era curiosidade, sem pensar duas vezes, a garota os seguiu discretamente até chegar no palácio onde estava impossibilitada de ultrapassar. Mas Rose não tinha limites, procurou, procurou, e até que enfim encontrou um buraco no muro que dividia o jardim do palácio e a floresta aos redores, e que lhe dava perfeita visão de onde estava o garoto. Não precisou de muito esforço para que entendesse que aquele adorável menino era filho do rei, e ela ficava ali, quietinha, admirando o príncipe em seu treinamento particular.
  E assim, todos os dias, Rose se dirigia para o mesmo lugar para acompanhar o treinamento do príncipe em seu lugar secreto. Permaneceu nessa rotina por dias, até que chegou o momento em que fosse descoberta, nesse dia, o menino estava só, sem a companhia de seu instrutor. Um vento forte soprou, levantando a poeira junto com as folhas que caía das árvores, e por consequência, Rose espirrou alto o suficiente para que o príncipe notasse sua presença.
- Quem está ai? - era uma pergunta esperada. Assustada, Rose tentou fugir, mas quem disse que se pode fugir do destino?  - Espere! - disse o príncipe olhando pela mesma brecha que Rose o espionava. Mesmo com medo, Rose permaneceu ali.
- Não tenha medo! Eu já notei sua presença há algum tempo. Você vem todos os dias né? - disse o menino gentilmente, e Rose concordou fazendo um sinal positivo com a cabeça.
- Você consegue vir aqui? - disse o príncipe.
  A coragem de Rose a levou para mais perto de seu sonho. Saltou por cima do muro, podendo então estar próxima ao seu tão admirado príncipe
-Me chamo Filipe, e você? - disse o garoto erguendo as mãos, em forma de cumprimento
- Me chamo Rose... - envergonhada, Rose não conseguia encará-lo nos olhos, sempre desviava os olhares, mas por dentro, seu coração queria saltar para fora, de imensa alegria.
- Oh, é um belo nome, diga-me, por que tanto me espia por aquele buraco? - perguntou Filipe erguendo o pescoço, e Rose respondeu com um olhar direcionado à espada que estava presa ao solo atrás de Filipe, e bastou aquele ligeiro olhar para que o garoto compreendesse.
- Ah, então você gosta de espadas? - perguntou interessado
- Sim, gosto muito. - Rose respondeu com firmeza.
- Ótimo, treine comigo! - disse Filipe empolgadamente.
  O treino começou com um cumprimento, e enquanto lutavam, Filipe se surpreendia com a naturalidade que Rose manuseava a espada.
- Incrível! onde aprendeu a lutar tão bem? - perguntou o príncipe bem curioso.
- Aprendi vendo você. - respondeu Rose
- Sério? Pois sinto-me honrado, isto quer dizer que eu luto bem. - disse o príncipe com um belo sorriso convencido que arrancou gargalhadas de Rose.
    Mas aquele bom momento entre amigos logo acabou, Jade, a criada responsável por atender as necessidades do príncipe se aproximava para chamá-lo para jantar. Rapidamente, Filipe se despediu de Rose, e antes de partir marcou um novo encontro no dia seguinte, no mesmo local, e é claro que a garota não recusaria.
    Aquele dia foi de imensa felicidade para a jovem Rose, que pela primeira vez havia tocado numa espada de verdade, mal conseguia dormir de tão ansiosa que estava pelo dia seguinte. Então chegou o próximo encontro, e como esperado, continuaram o treino do dia anterior, e assim foi por um ano, os dois encontravam-se às escondidas no jardim do palácio, e junto com o tempo, surgiu uma paixão, uma paixão que poderia custar caro para a menina Rose.
- Bom dia Filipe! - disse Rose empolgadamente chegando para mais um dia de treino.
- Bom dia, Rose - respondeu Filipe sorridente - Hoje, não iremos treinar.
- Ora, mas por quê? - perguntou Rose com uma expressão desanimada.
- me desculpe Rose, ontem meu pai me fez estudar vários livros até tarde da noite.
- Ah, eu compreendo... Então venha comigo! conheço um ótimo lugar para relaxarmos. - Rose o puxou pelos braços, levando-o cuidadosamente para fora do palácio para um lindo lugar na floresta, onde havia um agradável lago, realmente um ótimo lugar para relaxar. Rose e Filipe deitaram-se na grama enquanto admiravam o céu.
- Filipe, para que você tanto treina? Digo, existe algum objetivo ou um sonho por trás disso? - perguntou Rose.
- Sim... Eu sonho em ser um dia tão forte e tão inteligente quanto meu irmão gêmeo.
- você tem um irmão gêmeo? - perguntou Rose surpresa.
- Sim, ele é o próximo na fila do trono, pois é mais forte do que eu. Eu quero muito me tornar rei, por isso vou ser ainda mais forte do que ele. - disse Filipe bastante otimista - Mas e você, Rose? Tens algum sonho? Você parece tão determinada em nossos treinos. - perguntou o príncipe, também curioso.
- Eu? Eu quero ser uma guerreira do exército real. -respondeu Rose com um sorriso sereno.
  Ao ouvir aquilo, Filipe permaneceu calado, ele sabia que era impossível na era em que viviam, e que o governo de seu pai era extremamente rigoroso em relação aos soldados.
- Rose, isso é impossível... - dizia Filipe sem jeito, com medo de magoá-la
- Eu sei, por isso, esperarei você se tornar rei, para realizar meu sonho. Pois não tenho dúvidas que você será o melhor dentre todos os reis! - disse Rose encarando-o com um doce olhar. Naquele momento, Filipe deixou-se levar por seus desejos, roubando um beijo intenso de Rose que surpreendentemente o correspondeu. Após o beijo, ambos permaneceram calados, envergonhados por alguns minutos.
- Ah, é mesmo! Amanhã farei 16 anos de idade. - Disse Rose para continuarem a rotina como se exatamente nada tivesse acontecido.
- Nossa, isso é muito bom... - Filipe gaguejava, estava tão vermelho quanto um tomate - bom, você pode me encontrar aqui neste mesmo lugar amanhã? - continuou Filipe.
- Claro, posso. - respondeu Rose rapidamente, após isso despediram-se.
   Foi um dia extremamente feliz para Rose, estava vivendo o que toda garota de sua idade sonhava em viver. No dia seguinte, levantou-se da cama rapidamente, logo bem cedo, escolheu sua melhor roupa, ansiosa para o que lhe aguardava.
- Bom dia, mãe, pai! - alegremente Rose cumprimentou seus pais esperando suas felicitações, mas o que encontrou na sala de estar, foi uma mãe aos prantos e um pai bêbado que nunca estava em casa, e gastava seu pouco dinheiro em bebidas. Isso não era nenhuma surpresa, era uma cena que fazia parte do dia-a-dia de Rose, mas seu coração estava cheio de alegria, e só tinha cabeça para uma coisa: o príncipe." O que será que ele fará?" "Por que me pediu para encontrá-lo?" Rose se perguntava ansiosamente.
   Chegando ao local marcado, Filipe já estava a sua espera, com as duas mãos para trás parecia estar escondendo algo.
- Feliz aniversário! - Filipe a recebeu parabenizando-a
- Muito obrigada... - Rose respondeu tímida.
- Não vou me demorar, por favor feche os olhos. - pediu educadamente o príncipe e assim Rose o fez.
   E abrindo os olhos, uma bela surpresa: um lindo colar de brilhantes, nunca tinha visto um igual, seus olhinhos brilhavam e em sua face refletia felicidade, mas não por causa do presente, mas sim, por ter sido a primeira vez em sua vida em que seu aniversário era comemorado e marcado com uma lembrança. Gentilmente, Filipe pede para que Rose levante seus longos cabelos, para que ele pudesse colocar o colar envolta de seu pescoço, estava tudo como um sonho; mas como todo sonho este também acabaria.
  O sargento Miguel que fazia patrulha por aquela região avistou Filipe juntamente à Rose e não hesitou em contatar o rei, que imediatamente partiu para onde estavam.
- Filipe? - surpreendeu o rei que chegou em silêncio em cima do seu cavalo, acompanhado de dois soldados.
- Pai? Mas o que fazes aqui? - respondeu Filipe assustado.
- Eu o pergunto, o que faz aqui ao lado de uma plebeia? - perguntou o rei com um tom forte em sua voz. Filipe permaneceu calado perante seu pai, pensando em algo para lhe dizer.
- Senhor, veja no pescoço da menina! - alertou um dos soldados que acompanhava o rei.
   Elias, como era chamada vossa majestade, desceu de seu cavalo, e em passos lentos se aproximou de Rose que em reverência se curvou diante do rei, o mesmo a levantando pelos braços, olhou-a nos olhos e perguntou:
- Onde conseguiu esse colar?
- Seu filho me presenteou com ele, senhor. Ele é meu amigo. - de cabeça baixa e bastante assustada, respondeu Rose.
- Isto é verdade, Filipe? - perguntou o rei lhe direcionando o olhar.
- Não meu pai! - respondeu Filipe firmemente de sua resposta - essa plebeia estava roubando! Eu a vi e vim atrás dela!
  Aquelas palavras perfuraram o coração de Rose como uma espada afiada, jamais imaginaria que seria traída de tal forma. O rei deu a ordem que levassem Rose para a prisão, a garota estava tão magoada, triste, desolada, que nem sequer conseguia gritar por ajuda ou se defender; os soldados a agarraram pelos braços e enquanto era levada, olhava para seu amado que sem demostrar quaisquer sentimento de compaixão a encarava sendo arrastada para uma cela fria e suja, onde foi esquecida e abandonada.
  A verdade era que Filipe temia a repreensão de seu pai, e sabia que se confessasse que era amigo de uma simples garota pobre e inferior, estaria ainda mais longe de alcançar o seu sonho.
  A curiosidade de Rose a levou para sua ruína, e a ganância de Filipe arrancou dele o que tinha de mais verdadeiro: o amor, e como todo conto de fadas, aquele também teve um fim.

Rose A Matadora De ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora