Íris Azuladas

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  Acredito que tenha sido Deus quem a colocou naquele telhado, justamente na hora em que eu pretendia pular, para a escuridão, para o fim da angústia, para a desistência. Foi então que senti, como se alguém me observasse. Olhei para os lados e lá estava ela.
– Xô! – falei, balançando as mãos tentando afugenta-la.
Ela parecia hipnotizada, olhava para mim, com suas belas íris, que pareciam duas bolas de gudes, azuladas.
– Vai... Sai daqui – falei novamente.
Ela olhou lá para baixo, onde o fim me aguardava e meneou a cabeça de volta para mim. Como quem dizia: "Sua idiota, você vai mesmo pular?"
– E daí? E se eu for? Você não tem nenhum rato para perseguir? – questionei, rindo da minha loucura.
Naquele momento vi o sangue em uma das patas.
– Ei, você tá sangrando... Como não vi antes?

Me aproximei dela, uma gata magricela e de pelos marrons. O líquido viscoso e escarlate vinha da pata traseira, o corte parecia fundo demais, para ela estar tão calma, como aparentava. Talvez tenha sido por isso que eu não percebi logo de cara.
– Você é uma gata forte, não é? – ela me olhava atentamente.
Por um minuto eu me esqueci do motivo que me fez ir até ali. Quando enrolei minha blusa de frio nela, pensei: "dane-se, não vou precisar disso em breve".
Mas tudo mudou, gradativamente, claro. Primeiro tive que levá-la no veterinário e cuidar dela nas semanas seguintes, nada foi pensado, eu só não podia jogar ela na rua. Precisava tomar remédio, ganhar peso, ter o ferimento cicatrizado.
Isso me manteve ocupada por um tempo, distraída, um ser dependia de mim.

No final ela ficou comigo por semanas, meses e agora anos. Havia um laço de amizade, estranha, mas existia, era verdadeira. Ela salvou minha vida e eu salvei a dela. A companhia uma da outra, era a recompensa, pelo feito. E isso era o que podíamos oferecer uma a outra, companhia, e bastava. Bastava para ela que era apenas um animal e se satisfazia com pouco, mas principalmente para mim, que tinha tão pouco a oferecer naquele tempo.
Tentei ver tudo com outros olhos. Nos dias em que isso me erra pouco, eu fitava aquelas íris azuladas e tinha um motivo para continuar.

Quem conta um conto aumenta um PontoOnde histórias criam vida. Descubra agora