Foram 8 primeiros dias.
1
Não que aos 3 anos eu tivesse uma memória muita boa para além da força nostálgica de meu pai por fotografar cada instante. Ainda assim, foi o primeiro primeiro dia.
Olho para a foto naquele álbum bem conservado onde uma pequena eu tem um sorriso enorme segurando a mão da minha mãe. Ela usava um vestido preto bem ajustado e tinha o cabelo solto caído em cachos recém saídos do salão.
Algumas pessoas diziam que eu parecia com ela, eu até concordava em certo ponto, mas nunca chegaria aos pés de toda aquela elegância que ela exalava mesmo quando usava jeans e tênis.
Não lembro se chorei quando ela soltou minha mão, ou se aquele uniforme cheio de golas e frufrus incomodava. Lembro do nome da minha professora, Sheila, lembro que ela parecia jovem e tinha cheiro de abacaxi.
Não tive muito tempo para me adaptar e me sentir em casa. Meus pais tinham o hábito de viajar constantemente assinando contratos e fazendo reuniões, tinham um hábito ainda pior de me levar como bagagem extra.
Uma eu que mal entendi o mundo começou a vagar sobre ele e acumular faltas na escola.
2
Seis meses deixaram claro que estabilidade não seria uma das bases da minha vida. Foi quando conheci a senhorita Glória, minha babá altamente educada que estava pronta para me ensinar 3 línguas antes que eu completasse 5.
Meus pais tinham grandes planos para mim, enquanto tudo que me importava naquele instante era qual sorvete tinha pra sobremesa.
- Gelato, Aurora. Ou Ice Cream, ou ainda Eis - e assim ela transformava cada momento regular numa aula que nunca terminava.
3
Meu terceiro primeiro dia, ironicamente, não esteve entre os piores. Sim, meus pais haviam morrido há uma semana e minha nada estável vida estava ainda mais caótica.
Tinha uma nova casa, uma tia que eu vira 3 ou 4 vezes na vida e um sentimento de total desolação que eu não entendia ou sabia como processar.
Lembro de chorar, não por ela ter me deixado na porta da escola com não mais que um aceno indicando que eu entrasse em sala, mas pensando que eu precisava voltar ao fim do dia para a casa dela.
Ela não era uma bruxa má e terrível, mas não era acolhedora ou presente e a casa era fria e intocável.
- Você vai sujar! Não mexe - dava um passo atrás da enorme pintura que cobria uma das paredes da sala.
- É um vaso da dinastia Ming, sabe o quanto isso é valioso. Tira a mão - minhas mãos se recolhiam do belo vaso florido que ficava no hall.
- Segura com cuidado essa xícara! Não existe outra no mundo - minhas mãos se apertavam com medo e eu me encolhia odiando ficar naquela casa.
Eu tentava me apegar à memória dos dias em que eu corri com meu pai pela grama da casa de férias, à quando minha mãe fez piquiniques de jantar em cima da cama do quarto de algum hotel.
4
Antes mesmo de completar meus oito anos, a assinatura de um divórcio da Sra. Brooks fez com que nos mudássemos.
Voltamos a Londres, para aquela cidade que tão brevemente chamei de casa. Fui rematriculada na minha antiga escola e esperaram que eu seguisse em frente como se nada tivesse mudado.
Alguns rostos familiares costumavam cruzar o corredor, mas mal tive tempo de reaprender seus nomes quando a Sra. Brooks conheceu seu novo marido.
5
Foi a primeira vez em que mudamos para França. E, graças ao hiper preparo de Glória e meus pais, cheguei numa nova escola falando a língua da forma mais medíocre e incorreta possível.
Finquei minha nova bandeira de lar naquele espaço por dois anos.
6
Por que aos 14, minha amada tia arrumou um novo marido, antes mesmo de largar o outro totalmente. Mudamos para Florença, onde eu me apaixonei pela cidade tão rápido quanto minha tia se cansou do novo marido.
7
Voltamos então a Paris.
Nesse ponto, eu já havia desistido. Por meses, minhas coisas ficaram dentro das caixas da mudança, parecia um trabalho a menos quando minha tia anunciasse que partiríamos outra vez.
Em meio a caixas pelo quarto, provas e gritos, conheci Aziz, Alia e Kenny.
Nosso grupo de burgueses mimados fez questão de gastar pequenas fortunas em futilidades e pular diversas etapas da vida porque nós achávamos muito adultos.
Éramos crianças com cartões sem limites ou país presentes. Vivemos naquele ano o que poucos viveriam em uma vida. Conhecemos lugares, comemos de todas as coisas, compramos o que nunca iríamos usar. Ao fim desse tempo, eu estava exausta e vazia por dentro, já não sabia que tipo de vida eu queria ter.
Em paralelo, a paciência da Sra. Brooks se esgotou ao ser levada ao extremo.
Lembro que a odiei quando embarquei abandonando outra vez a minha vida.
8
Mas também, foi nesse instante, chegando nessa escola totalmente nova, que tive certeza de que não queria mais ser essa pessoa, e por esse momento que me tornei quem eu era agora.
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AURORA
Short StoryUma história sobre a vida da Aurora do Blue Cup Cafe. Aqueles mesmos capítulos aleatórios para lerem na ordem que quiserem. Adoraria receber sugestões de que momentos da vida dela vocês querem saber, queria poder escrever esse livro com a ajuda de...