JC.

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Ocorreu que, por não ter conseguido processar aquela informação, o tempo, que imperava sobre o universo e sobre todas as coisas, mesmo com toda a sua magnificência em precisar os detalhes que formam e performam a vida, rompeu-se. Era como se, dentro daquele lugar, todas as pessoas que preenchiam cada um dos espaços nos bancos fosse uma mentira, e aquilo me corroeu muito mais do que qualquer outra coisa ou problema no qual eu tinha passado em toda a minha vida. Acho que congelar expressa pouco do que aconteceu comigo fisicamente. Minha reação foi tão brusca e o sentimento foi tão humilhante, que era como se dentro de cada célula que forma o meu corpo, tivessem dado facadas, e estas rasgassem tudo o que havia de puro e de íntimo em mim. Eu me senti nua, completamente deslocada e fora de mim mesma.

Charles olhou para mim, mas tudo o que eu sentia por ele naquele momento era ódio. Ódio dele, mas principalmente de mim, por ter criado uma relação com outro homem, quando o meu próprio marido continuava vivo (pelo menos era o que dizia o atestado). A reação das pessoas foi tudo o que eu menos quis ver, porque além de todo aquele vexame, o desamparo por não ter a quem recorrer me fez ansiosa, e intensamente desesperada.

Mas ao me recuperar, pelo menos parcialmente e o suficiente para expressar algo em palavras, questionei:

- Querida, o que foi que você disse?! – despretensiosamente perguntei.

- O papai está vivo! O moço mau (Charles) estava lá no barracão fedido e ele estava falando do papai com aqueles moços feios.

- Charles, você pode me explicar isso?

E, caminhando lentamente do altar até a minha direção, acompanhado de uma voz sarcástica e um tanto maléfica, se pronunciou:

- Eu até poderia, mas, na verdade, eu prefiro ficar a sós com você.

- Você está louco?! A minha família inteira está aqui, como você tem a cara de pau de assumir um crime desses na frente de tantas pessoas?

Agora, caro leitor, esta dramática história, que poderia ter um final agradável e como últimas palavras um ''E viveram felizes para sempre'', quase findou em tragédia. Eu descobri que, na verdade, ao olhar mais de perto para as pessoas que estavam no lugar, nenhuma delas era de fato da minha família. Charles as havia contratado para encenar e fingirem ser quem elas não eram. Sem ajuda e sem proteção, fui segurada por um de seus capangas por trás, caindo em sono profundo após forçarem minha respiração por um paninho úmido. Fizeram o mesmo com Mel.

A história se repetiu. Acordamos no mesmo lugar, só que agora os bandidos não precisavam usar máscaras. Charles nos deixou presas em correntes que estavam suspensas e presas no teto do galpão, doía muito. Depois de algumas conversas e cochichos discretos com seus capangas, C mandou que trouxessem John.

- John! Meu Deus, você está vivo!

- Jane, meu amor! Que saudade que eu estava de vocês duas, minhas princesas!

- Papai! Eu contei para a mamãe direitinho, assim como você mandou!

- Mandou?! Como assim, filha? – disse eu, confusa.

- O papai se encontrou comigo um dia a tarde na escola, disse que precisava falar rápido comigo. Foi na mesma tarde que me sequestraram, mamãe.

Logo relacionei aquilo ao que um dos bandidos tinha me dito:

''sabemos que você já descobriu tudo, inclusive sabemos que sua filha teve contato com ele mais cedo na escola.''

- Ora, ora, ora, se não são as três peças do meu quebra-cabeças... Quer dizer, prefiro chama-los de peões, estes os quais participaram do meu jogo por alguns anos.

Concupiscência ProgramadaOnde histórias criam vida. Descubra agora