Duas semanas haviam se passado desde o sequestro, e os policiais e eu não conseguíamos encaixar as peças daquele estranho quebra-cabeças. Durante o período da tarde, perto do pôr do sol e da hora do chá, recebi uma ligação da delegacia central. Era o oficial Jakes, que me pediu para dar mais um depoimento. Chegando lá, entrei numa sala sem iluminação natural, revestida com um material isolante, uma mesa com duas cadeiras e uma janela com visão de somente um dos lados (que era o externo à sala, onde provavelmente ficava alguém observando). Eu comecei me explicando:
- John e eu fazíamos todas as transações da empresa licitamente, éramos absolutamente transparentes com os funcionários e nunca demos motivos para uma possível ''vingança''.
- Veja bem, senhorita Jane, nós da polícia federal – sim, caro leitor, federal - já estivemos em casos parecidos com este. Em todos eles, o motivo principal das reivindicações, pelo menos daqueles com grandes proporções, eram dados em circunstância de passados históricos da empresa, majoritariamente os que eram relacionados à conflitos com funcionários. Você tem certeza que nunca tiveram uma briga ou algo assim?
- Não, oficial Jakes, nós nunca chegamos a maltratar nenhum funcionário, muito menos ter conflitos com eles. Eu realmente não consigo imaginar o motivo por trás desse ataque.
- Tudo bem, continuaremos com a pesquisa de campo então. Obrigado mais uma vez, Jane.
- Imagina! Espero que consigam esclarecer o caso. Pedirei à minha secretária que envie mais documentos antigos da empresa, por fax mesmo.
- Muito agradecido! Tenha uma boa noite.
E foi então que eu lembrei do encontro que tinha marcado com Charles. Ele me chamou para sair logo após o episódio do ''molho de chaves'' (aquele da aquela ilusão passional). Ocorreu que, antes que eu entrasse no prédio pela porta giratória, ele gritou pelo meu nome.
- Ei Jane! Espera aí, eu esqueci de te dizer uma coisa!
Virei o rosto. Era como se a luz do sol no horizonte tivesse se inclinado a nós, refletindo de maneira extraordinária os raios de tom cor de rosa alaranjado, e idealizando não só em mim a possível cena apaixonada acompanhada do pedido de namoro, mas de todas as pessoas que se encontravam à nossa volta. Por fim, descobri que não se tratava de um pedido de namoro, mas, como já dito, um convite para um jantar à luz de velas no ''Penthouse 808'', um dos restaurantes mais bonitos da cidade.
- Você gostaria de sair comigo para jantar um dia desses?
- Claro que sim! – Entusiasmadíssima exclamei.
- Ótimo! Amanhã à noite no Penthouse então?
- Combinado! Te vejo lá!
E assim começou meu processo de insônia. Era tanta alegria e euforia diante daquilo que eu simplesmente não tirava o possível ''momento da verdade'' da minha cabeça.
Amanheceu. Meu dia começou muito produtivo. Não encontrava um vestido ideal para a ocasião, então me levei às compras, que infelizmente acabaram me deixando um pouco descontrolada, numa reação em cadeia que consiste em: roupa, bolsa, sapato, salão de beleza... morte financeira. Brincadeiras à parte, fiz daquele dia o meu ''dia de princesa''. Havia um salão muito bonito na 5^a avenida, entrei e fiz o serviço completo. As sacolas com as roupas mal cabiam no lugar, então pedi ao motorista que as colocasse no carro. Quando terminei o serviço, ele me chamou de canto e disse:
- Madame, me foi pedido que não a levasse de volta para casa neste carro.
- Como é que é?! Shedrick, eu pago você para isso! Agora deixe me entrar, por favor (eu nunca dizia 'por favor').
- É que querem levar você em outro tipo de condução...
Acredite se quiser, era uma carruagem sustentada e movida a dois cavalos brancos, estonteantemente bonitos. Charles me surpreendera mais uma vez, mostrando que através de suas atitudes o meu coração estava mudando, e para melhor. Vestido em uma calça social bege, camisa azul cor de céu estrelado e o que mais lhe deixava bonito – seu sorriso. Eu estava me sentindo completa, ele estava preenchendo toda a saudade e todo o sofrimento, convertendo-os constantemente em amor, e isso não tem preço.
Aprofundando-se brevemente em detalhes do lugar, pode-se aferir como perfeito para a ocasião. Era a cobertura de um prédio muito alto em Nova Iorque, com janelas tão grandes que eu quase não as percebia. Pedimos pasta com vinho, tudo estava indo muito bem. Permanecemos ali por mais ou menos duas horas depois do horário de pico, onde somente aqueles que estavam realmente aproveitando a noite ficavam, e nós rodávamos as taças vazias com o dedo indicador, papeando sobre os mais diversos assuntos, dando risadas e gargalhando um pouco. Quando o último casal se foi, todos os garçons se dispuseram em nossa frente com instrumentos de corda, de sopro e um pequeno coral em sincronia. Ele havia planejado tudo, desde os clientes até o coro. Ao ritmo de ''I would die every day, waiting for you'', comecei a tremer. As notas do violino consubstanciaram-se nas palavras de Charles, que se ajoelhou e disse:
- Jane Smith, você quer namorar comigo?
- SIM! Mil vezes sim!!
E então, nos beijamos. ''YOU MAKE ME HAPPY WHEN SKIES ARE GREY [...]'' era tudo o que eu conseguia ouvir, e era o que soava juntamente com o ritmo de cada suspiro nosso, de cada enlace e de cada pensamento profundo, de cada pulsação inquieta e de cada verbalização de Amor que era demonstrada por nós naquele lugar. Trivialmente indizível, indescritível e inarrável.
É impossível descrever a você, amado leitor, a sensação que se tem ao dar o primeiro beijo em alguém que você gosta tanto. Acho que meu coração se exaltou em picos de alegria que eu não tinha há décadas. Entretanto, deixarei os detalhes de lado, porque afinal, o que mais importa aqui não são as ações, mas as intenções aplicadas sobre elas, e que definem muito mais sobre o final desta história do que você pode imaginar.
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Concupiscência Programada
RomansaJane Smith é a mulher mais indigente do mundo: tudo o que ela possui são ações de corporações multinacionais, carros de luxo, imóveis incontáveis em diversos países e é simplesmente a 8ª mulher mais poderosa e influente do mundo. Mas apesar de possu...