Interrogação Exclamativa

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        Uma semana havia se passado, e Mel e eu permanecíamos estagnadas emocional e fisicamente. Ela dormiu na minha cama todos os dias, na esperança de que essa aproximação nos fizesse bem – não foi o que aconteceu. Eu não tinha vontade para nada, a procrastinação havia tomado conta de mim e toda a luz de esperança que havia no meu coração tinha se apagado. É engraçado que hoje em dia eu consigo entender a importância espiritual que tem uma família: os pais são como colunas de sustentação emocional, financeira e física dos filhos; e quando uma das colunas cai, a outra leva tudo morro a baixo. Toda a angústia, o medo e a tristeza que eu estava sentindo se aprofundaram no meu coração, e começaram também a fazer parte do coração de Mel. Como ela iria se recuperar de tudo aquilo sendo que eu mesma não tinha maturidade emocional suficiente para passar por aquela situação?
        Foi então que, como um milagre, nós conhecemos Charles, um professor de química da escola de Mel que estava esperando na portaria há mais de 2 horas. Quando desci para recebê-lo, não entendi absolutamente nada.
''Como é que um professor do ensino médio fica sabendo da nossa situação e procura, sem nenhuma prévia, se aproximar de nós?'' – indaguei a mim mesma.
        O extremo interesse pelo nosso bem-estar me chamou a atenção. Ele era alto, moreno e seus olhos eram castanhos como a cor de uma vitrine de uma loja de chocolates. Talvez eu tenha me equivocado no pensamento comparativo dos olhos do misterioso professor, mas a genuína ação de nos esperar durante todo aquele tempo se provou clara depois de fitá-lo.
        Não pense você, caro leitor, que o amor à primeira vista acontece somente em lugares esplendorosos, cheios de vida e com uma atmosfera calma. Não, desta vez o conto de fadas que estava prestes a preencher a minha vida começou no saguão de entrada do condomínio, onde a fugacidade do tempo reinava, e onde o pior momento da minha vida ainda estava acontecendo.
        - Olá, você é o professor Charles? – despretensiosamente questionei.
        - Boa tarde, isso mesmo! Eu fiquei sabendo da notícia na escola, e senti de dar uma passada aqui para ver se estava tudo bem. Me perdoe o inconveniente, eu sei que tudo ainda é muito recente, mas eu precisava vir.
        - Imagina! – respondi com o tom mais irônico e ao mesmo tempo mais cortês do mundo – você não quer entrar e tomar uma xícara de chá?
        Inexplicavelmente ele recusou. Minha reação foi imediata: eu paralisei. Meu rosto desfigurou-se de felicidade em uma mistura de sentimentos confusos, era como se o tempo tivesse parado, e pela segunda vez a desolação tomou conta do meu coração. Ao mesmo tempo que me encontrava confusa, aquele olhar não saiu da minha cabeça, como se de modo lancinante interferisse em todos os meus pensamentos, fazendo o meu foco se perder durante 5 minutos.
        - Senhora Smith? – perguntou de maneira sutil o porteiro.
        - Oi, desculpe-me, eu não sei o que aconteceu direito
        - O Sr. Charles deixou essa caixa para a senhora, disse que era para entregá-la a você quando ele fosse embora.
        - Muito obrigada! – respondi.
        Era uma caixa de chocolates com morangos, e dela veio a explicação do olhar de loja de chocolate. Atrás, um bilhete com a seguinte mensagem:

''Muito obrigado por tomar um pouco do seu tempo para conversar comigo, e lembre-se sempre de sorrir, assim como você me fez sorrir hoje''.

        E com um gesto inquieto, embrulhei o papel por entre as minhas duas mãos, os grudei no peito e fechei o rosto numa expressão de alegria que só se pode perceber nas crianças quando brincam na chuva. Não foi a caixa de chocolates, foram as palavras, elas me conquistaram. A partir daí Charles me ensinou a primeira de muitas lições que eu passaria a aprender com ele: ''Desfrute das coisas simples. Pode chegar um dia em que você olhará para trás e perceberá que na verdade elas eram grandes coisas''.

Concupiscência ProgramadaOnde histórias criam vida. Descubra agora