Capítulo 7

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Heitor

Aquele dia inteiro foi um borrão para mim, tratamentos, remédios, efeitos colaterais...eu era leigo nesse assunto, não entendia quase nada que era dito ali, eu só queria que tudo aquilo fosse um pesadelo e que quando acordássemos eu, Mari e Gabriel estaríamos felizes e saudáveis em alguma praia tranquila. Mas a realidade sabe ser mais cruel que qualquer outra coisa, Mari escutava tudo em silêncio, notei que ela segurava o choro e eu também. Nenhum pai espera que isso vá acontecer com seu filho. Nós pensamos que pode acontecer com qualquer um, menos com nosso filho. Acho que é isso o que todos os pais pensam, nós nos recusamos a crer que um filho nosso um dia vá passar por uma situação tão difícil e cá entre nós, deveria ser proibido criança ficar doente, principalmente com essa doença.

Quando nos tornamos pais, ganhamos uma graça divina, um presente de Deus que faz nossa vida mudar completamente e é claro encher-se de felicidade plena. Já que ganhamos esse dom tão divino da vida, Deus poderia nos conceder também o poder de trocar de lugar com um filho. Se um filho sente dor ou adoece, conseguimos com algum poder mágico retirar a dor e a doença dele e passar para nós. Se esse mundo um dia for criado, eu adoraria viver por lá. Ou se esse universo paralelo já existe, por favor nos levem para ele.

Passamos boa parte do dia no hospital, tiramos dúvidas, Gabriel fez mais testes. Ele iria dar início ao tratamento o quanto antes, primeiro ministrando um medicamento via oral por 4 semanas e então faríamos novos testes para ver o resultado, nosso objetivo era destruir o máximo possível de células cancerígenas, estávamos esperançosos e em estado de puro choque ainda. Alguns dias depois voltamos ao hospital, dali tínhamos em mãos todos os resultados do teste e iniciamos o tratamento com remédios imediatamente. Mari parecia entorpecida e Gabriel parecia alheio a tudo isso, brincando com seu vídeo game e seus brinquedos.

Tínhamos uma esperança, por mais que menor que o remédio ajudasse e assim ele não precisasse colocar o cateter para receber a medicação direto na veia.

— Eu acho que talvez devêssemos pedir uma segunda opinião. — Disse Mari, encarando seu copo de vinho e recostada no sofá. Gabriel já estava na cama, aquela semana fora exaustiva para todos nós, parecia que um trator havia esmagado cada centímetro do meu corpo.

— Não confia no Dr. André?

— Ele pode estar errado e não ser a ...isso. — Disse ela entorpecida.

Eu admirei ainda mais a força da minha mulher naquela semana, por vezes eu pensava que ela iria cair no choro, mas ela se manteve forte e positiva durante todos os momentos em que Gabriel estava por perto.

— Dr. André fez todos os testes necessários e ele é médico há 15 anos, não acredito que ele tenha cometido um erro. — Falei. — Por mais que deseje isso. — Completei.

— Mas ele pode errar... as pessoas cometem erros todos os dias! — Ela disse exaltada. Era esse o momento, em que ela iria cair no choro, só me restava ser seu ombro.

— Mari — disse calmamente me aproximando dela —, eu adoraria que ele estivesse equivocado também meu amor, mas o Gabi está com todos os sintomas, o que mais poderia ser? — Acariciei seu rosto com a ponta dos dedos e ela apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

— Lembra-se que ele falou das fases do tratamento e que se tentássemos tudo e não funcionasse faríamos o transplante? — Disse ela acariciando seu ventre, engoli em seco com a cena.

— Sim. — Eu disse cauteloso e uma lágrima solitária escapou dos seus olhos.

— Eu torci para que estivesse ficado grávida naquela noite, mas não aconteceu. — Disse ela desolada e uma dor forte aninhou-se no meu peito.

Cicatrizes de uma vida - Ed2 - L 1  - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora