Um jogo de gato e rato é sempre divertido pra começar a noite. Tem sempre uma ansiedade a mais quando você invade a casa de alguém perigoso; sempre tem aquele passo a mais que você quer dar, mas não se arrisca. Talvez seja melhor assim, mas você pensa de novo; além do que ele claramente queria roubar, também havia a questão do dono. Aquela era a Adaga de Tharsis, que já deve ter degolado um rei ou dois. Com certeza histórias para outro dia. A adaga era - ou ainda é, já que falo com você aqui e agora - protegida com ferro e fogo na mansão do grande e respeitado malfeitor Vincent Griin, conhecido especialmente por conceder grandes e espalhafatosas execuções para cada um que ousasse tentar lhe roubar.
O homem respirava pesadamente a cada novo passo, contente por não ter nenhum inimigo à vista. A adaga estava há umas duas salas, não mais de onde o corajoso ladrão estava agora. Um salto silencioso e atravessou o corredor, nenhum empregado a vista, o que significava menos choro, susto e gritaria. A lua no céu nublado chamava pela atenção do ladrão, mas sua luz prateada mal alcançava a mansão. A luz da lua não era importante agora. Rastejando-se silencioso como o vento, o invasor avançava.
Vozes! É incrível como podem surgir do nada em mansões cheias de empregados. Bem próximas do ladrão agora, deram sorte, já que ele não era nenhum assassino - um bom assassino já teria arrancado-lhes as cabeças antes que pudessem reclamar. O ladrão simplesmente encontrou um lugar atrás de um vaso caro, desses que existem em mansões apenas para que a ostentação e o luxo permaneçam em dia. Extremamente convenientes para a estrela dessa noite. Outro movimento esguio como um gato e lá estava ele, entrando na primeira sala. Agora ele tinha certeza que a adaga se encontrava em outra sala, pois essa daqui apenas possuía quadros bonitos, algumas estatuetas e outras obras de arte iluminadas à calma luz de velas; que seriam excelentes espólios, mas nenhum deles era o objetivo de hoje. Ah... Se ele tivesse apenas prestado atenção numa outra pequena sombra que se alongava por ali...
O outro corredor era um lugar bem mais iluminado, o que é sempre um problema quando você está numa casa que não é sua, não foi convidado e muito provavelmente o dono não lhe quer por ali. Sem muitas outras opções, o homem esgueirou-se por uma porta, colocando a cabeça um pouquinho pra fora, só pra dar uma olhada. Aparentemente ninguém. Alguns quartos de portas fechadas - Preocupante... E se alguém abrisse de repente?- e voilá! A sala que tanto procurava! Passos ainda mais silenciosos, o coração já saltando pela boca. Vozes! Porta se abrindo! Se fosse um homem um pouco menos controlado, teria gritado e colocado tudo a perder, mas graças a Deus não era! Só que dessa vez, não havia vaso ornamentado algum. Nenhuma estátua. Nem mesmo um vasinho de plantas onde poderia tentar se esconder se tivesse muita boa vontade...
Três.
Uma xícara de café, surgindo das sombras, pairando no ar.
Dois.
Agora o braço que segurava a xícara, grudado num rapaz evidentemente sonolento.
Um. O rapaz esbugalha os olhos, já abrindo a boca para um berro daqueles. O ladrão mostrou sua sagacidade ao não fugir e desistir de tudo agora. Num movimento rápido que nem durou dois segundos, enfiou o antebraço entre os lábios do rapaz, impedindo o grito, mas não impedindo a xícara de voar lentamente, à altura de seus olhos. Xícaras caindo sempre são o tipo de barulho nada importante que sempre irá fazer com que cada um em seu raio de propagação pare exatamente tudo o que está fazendo para ver o nada que tem certeza que aconteceu. O tipo de atenção que um gatuno como ele jamais gostaria de ter. Por isso, seu braço voou como nunca para impedir que aquele pequeno e frágil pedaço de porcelana atingisse o piso e acabasse com toda e qualquer chance de sucesso. Sempre é uma dança quando você quer impedir que uma xícara caia e que um homem assustado grite, tudo enquanto tenta roubar um artefato capaz de pagar por toda a sua vida. O rapaz queria se livrar do gosto de sangue em sua boca mas, além disso, também queria muito ver o ladrão arranjar problemas, por isso, resolveu morder mais forte. São nesses momentos que um ladrão mostra sua masculinidade e não grita, porque ele com certeza deveria. Num súbito acesso de raiva, o meliante chocou a cabeça do rapaz contra a parede. Como a mordida logo afrouxou, soube de cara que venceu a disputa, mas o barulho da cabeça de alguém batendo na parede também é capaz de chamar todo o tipo de atenção indesejada possível, então tudo agora era questão de tempo. Segurando o braço ensanguentado como podia, o ladrão abriu a porta. E lá estava, aguardando em sua moldura, a Adaga de Tharsis, o motivo de sua visita.
Um grande sorriso sempre se abre nessas horas. Objetivo cumprido é sempre uma sensação boa, reconfortante, que aquece a alma e aquieta o coração. Ainda silencioso, mas agora apressado, o ladrão evita cada um dos dispositivos de segurança no chão. Tudo isso era brincadeira de criança pra ele. Mas a um passo de finalmente conseguir...
-Bonita, não é? Você tentaria roubá-la de mim? Como acha que eu me sentiria? - Uma faca atinge bem onde a mordida já havia feito um estrago. Sempre dói mais quando se acerta onde já doeu muito antes. Incrédulo, agora o homem gritou com toda a força que tinha. Uma facada no joelho e o grito afina um pouco mais, como se fosse a voz de alguém desistindo. Uma torcida nunca fez mal a ninguém. Um chute bem no meio do peito, também não. O ladrão, agora chorando e desesperado, tenta com todas as forças... olhar para mim. Que foi? Achou que eu ficaria aqui, narrando esta porcaria, só esperando por algo interessante acontecer? Você achou que esse cara era o protagonista aqui? Não posso fazer outra coisa que não seja rir, caro companheiro. Eu sou Vincent Griin. Jamais poderia permitir que ninguém, além de mim mesmo, narre uma história belíssima como a minha. A história de como conseguirei o Estilhaço de Mentira! Mas, primeiro... Eu mesmo disse que Vincent Griin fazia coisas engraçadas, absurdas e espalhafatosas com qualquer um que tentasse roubá-lo, não é mesmo? Quer ver algo divertido?
A primeira lição quando você vai fazer algo cruel e macabro é: Sempre envolva crianças. Para este primeiro experimento, você vai precisar de um ladrão fracassado, uma cortina vermelha, dardos e um prêmio! Adicione alvos à gosto e voilá! Estará pronto o seu espetáculo! Não é preciso de muita imaginação pra sacar o que vai acontecer com esse cara agora, não é? Então pegue algo pra beber e se divirta, amigo. Muitas coisas divertidas ainda vão acontecer por aqui.
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Shard of Lies
FantasyVincent Grinn nem de longe é o que você chamaria de bom. Um assassino profissional, a única coisa que move a sua vida é o constante desejo por poder. Quando Abigail, uma velha conhecida, o procura pedindo ajuda para localizar um artefato do lendário...