Passos em um piso de madeira. Essa é a casa da meu bisavô, que esteve na família por mais de um século. Um bastião dos Crown, lar das magias que nos moldaram por quatro gerações. Minha mãe não está em lugar nenhum, e os passos intermináveis se aproximam, um milímetro por infinitésimo de segundo, mas com certeza se aproximando. Quando o homem se aproximou, já não se parecia com ninguém, mas eu já o havia visto. Tinha aquele ar de quem sabia o que estava fazendo.
- Você precisa ser forte agora, Abigail - olhamos para a janela, que eu nem sabia que estava ali. Nossa casa, nossa antiga casa, destruída até as cinzas. Eu e ele pisávamos em ruínas, num piso de madeira que já era carvão. Lá fora, a Primeira Bruxa extraía o meu sangue com uma expressão assustadora, que só eu via. Tinham outras bruxas também: Senhoras Miuzand e Olga, as duas seguravam o choro, enquanto Elena me encarava com uma falsa bravura. As outras bruxas pareciam apenas incomodadas. E raízes começaram a emergir da terra, fora da janela. Raízes escuras que atravessavam as paredes e que tinham um cheiro pútrido, nojento, detestável. Se arrastavam pelos corredores como se fossem garras, fuçando e xeretando. O homem deixou passar um sorriso cansado e puxou suas adagas da [bainha]. Ele cortou e cortou, não deixando que se aproximassem.
- Isso é culpa minha. Mas eu não podia deixar que Alistair vencesse - continuei ouvindo, mas me virei pra enfrentar minha própria parcela de escuridão - Delula te transformará numa delas - era isso, então. As garras enormes que se retorciam tentavam me arrastar pra perto da Bruxa.
- E se eu impedir? - disse, enquanto liberava minha magia sem hesitar, espantando a escuridão. Outro homem surgiu nos corredores, encarando a mim e ao homem que falava comigo.
- Você estaria morta - ele não estava preocupado. Parecia até animado - Acredito que você não queira simplesmente morrer, não me faria esse favor.
- Ora ora, você até que não demorou muito - o homem das adagas estava atento ao outro. Completamente preparado pra atacar, enquanto o outro estava envolvido nas garras, confortável, como se estivesse em casa.
- Sua mãe certamente me atrasou, Abigail. Certamente, a minha neta não era uma maga comum. Onde ela está? - Alistair Crown concentrava a escuridão próxima a ele. Delula já tinha derramado todo o meu sangue, deixando a banheira vermelha. A velha mansão do meu bisavô se desmanchava ainda mais, deixando restar apenas poeira e a velha janela. O céu também dava lugar a outro firmamento enquanto a mansão ia embora. Delula tirava meu corpo despido da banheira. Eu quis até lá, mas não consegui. O homem das adagas se aproximou de mim, sem tirar os olhos de Alistair, sem se despreparar.
- O truque que ela fez com o garoto deu certo mesmo, não é? Você realmente não tem memória de quando ela te fragmentou - enquanto o homem das adagas falava, ele ia ganhando confiança, enquanto Alistair ia ficando mais e mais irritado.
- O garoto? Está falando do receptáculo da igreja? O que ela criança tem a ver com Aelin Crown?
Eu o reconheci pela gargalhada. Aquele divertimento puro de estar absolutamente no controle da situação. Meu peão, Vincent.
- É realmente impressionante que você não reconheça os traços da sua própria magia, Alistair Crown. Não percebeu o cheiro que a sua incompletude tem? Ela cheira à escuridão, mas não exatamente à sua, não é? Não percebe? Você tá confortável nos dedinhos dela, até agora - Alistair encarou a própria alma. A alma que residia o meu corpo. O homem da mansão - Você foi enganado como um peão, indo pra onde Delula DeWrigg queria. Até que sua netinha descobriu a sua magia, porque ela mesma não era maga. Aelin Crown nunca sentou na cadeira dos magos, Alistair. Você sabe que os talentos dela estavam em outra arcania, mas achou que seria bruxaria, então tratou de reatar seus laços com Delula e deixar a educação de Aelin por conta dela.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Shard of Lies
FantasyVincent Grinn nem de longe é o que você chamaria de bom. Um assassino profissional, a única coisa que move a sua vida é o constante desejo por poder. Quando Abigail, uma velha conhecida, o procura pedindo ajuda para localizar um artefato do lendário...