Carvão

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Estou calma. Senhora Olga está aqui. Até Elena Hartwill está aqui. Ela pode não ter conseguido o posto como Senhora, mas sabe o que está fazendo. Abigail, a sucessora de Oswald Cross também está aqui. Somos quatro mulheres competentes. Mas aquela magia era algo que nunca havíamos visto.

Existiu uma mulher, há anos atrás, que procurou Delula para desfazer um encantamento. A mulher era uma maga de uma linhagem poderosa e esta era justamente a aflição. Eu e Olga éramos estudantes ainda. A Primeira Bruxa levou três meses para desfazer a magia. Mais seis meses para reanimar a mulher. Eu me lembro daquele momento. A escuridão que nasceu daquele dia. Hoje, foi como reviver aquela época. A bruxaria de Delula e a magia de Vincent Grinn, eu tenho certeza de que partem do mesmo princípio: a Sombra.

- Você não está aguentando,não é? O feitiço é forte demais pra você, criança - senti, mesmo na escuridão profunda e sufocante, que Vincent Grinn estava se movendo para matar. No silêncio, o cheiro de sua intenção assassina ensurdeceria. Elena e Abigail não estavam prontas para se defender de um ataque como aquele. Não é o trabalho de uma Senhora o de pavimentar o caminho pras sucessoras?

Três espinhos. Estômago, rim e esôfago. Vomitei sangue na mesma hora.

- Você elogia a minha velocidade, Vincent Grinn, e depois a subestima? Não está em posição para nos olhar de cima! - tentei atravessá-lo, mas era como golpear o ar.

- Senhora Miuzand!? Você está bem? - Olga não deixaria passar. Eu estava fatalmente ferida, isso era fato.

- Não se preocupe comigo, Senhora Olga. A morte não significa nada para uma bruxa. Você está bem, Senhorita Abigail?

- Estou, Senhora Miuzand. Qual é a sua situação?

- Ferimentos fatais em três pontos. Morrerei em seis minutos. Você consegue fazer luz, Senhorita Abigail?

- É o que eu estou tentando fazer nos últimos instantes. Ele está inibindo o meu Coração do Mago com o dele.

- Então precisamos tirar o orbe da mão dele, é isto? - Elena nos cortava. Senhorita Elena não costumava ser a pessoa que dava as ideias - eu consigo exorcizá-lo, só preciso que ele fique parado.

- Eu não consigo identificar a posição dele - Senhora Olga esclarecia - então só conseguiria congelá-lo se levasse a sala inteira junto.

- Nada prático - respondi.

- E se tentássemos levá-lo para a Dimensão dos Mortos? - Olga dava outra ideia.

- Não. Eu já enfrentei essa sombra antes. Não sei do que ela é feita, mas ela interage de maneira corruptora com a Dimensão dos Mortos. Acabaria matando todas nós - Elena realmente estava sendo útil.

- A julgar pela falta de ataques subsequentes, eu imagino que manter essa escuridão e atacar seja muito desgastante pro corpo dele. Se criarmos uma brecha quando ele atacar de novo, podemos manter uma sequência de ataques que o faça liberar o encantamento. - Ter um mago no grupo faz diferença, então. Será por isso que o Rei estipulou a távola?

- Então eu não tenho outra escolha. Você vai ter que me salvar de novo, Olga!

- Não me chame só pelo nome na frente dos outros, Senhora Miuzand!

- É o seguinte, meninas: Olga cuidará da minha retaguarda. O frio dela não me afeta, Senhorita Abigail, você se preocupa em fazer luz assim que eu arrancar a mão dele fora. Se eu entendi certo, ele não pode mover o orbe com a liberdade que move o resto do corpo. Senhorita Elena, assim que Abigail fizer luz, você vai exorcizar a sombra. Não me importa o que vai acontecer com o corpo.

- Calma aí, eu não vim aqui pra matá-lo. Eu tenho que entregá-lo pra Távola! - retrucou a maga

- Eu até queria matar ele, mas é extremamente pessoal - disse Elena - Mas talvez eu faça um esforço pra deixá-lo vivo, se é o seu desejo.

Senti a mesma ameaça de antes.

- Preparem-se!

- Ora, vejo que estão bem organizadas. É uma bruxa realmente talentosa, Senhora Miuzand - silêncio total, aquele que precede algo bem horrível - Mas você está começando a me atrapalhar demais.

Outro daquele ataque, mas como eu sabia o que esperar, quase desviei. Acho que ele pretendia dividir minha cabeça em duas, mas acabou acertando só um olho. Sinceramente, não sei se estou cega.

- Sabe, Vincent Grinn, foi meu sonho, desde criança, entrar para o lendário clã das bruxas. Eu aprendi algumas técnicas de bruxaria bem jovem, mas acabei recebendo uma parede na minha cara.

A eletricidade poderia gerar brilho para identificá-lo na escuridão, pelo menos por um instante, então eu carreguei o meu corpo, sentindo a corrente elétrica rasgar meu sangue do coração até a ponta dos dedos.

- O Clã das Bruxas só aceita mulheres. Simples assim. Os homens que o Clã contrata não passam de lacaios descartáveis. Imagine o desespero do pequeno Miuzand. Ele não queria ser um lacaio descartável. Conhecia as histórias sobre Delula e suas Senhoras. Sabia da extinção dos druidas. Era aquele tipo de pessoa que Miuzand queria ser. Forte. Implacável. Até cruel. Miuzand deixou seus amigos para trás e procurou Delula. Vagou e buscou por anos e anos, com uma frustração crescente. Até que, num dia, sem qualquer esperança, Delula bateu na porta de seu pequeno quarto, numa pousada qualquer. Sabia de mim e do meu sonho. Dá pra imaginar a felicidade? Miuzand, reconhecido pela própria Delula!

- Onde quer chegar, bruxa? É o seu monólogo antes de morrer?

- Não me interrompa! - a eletricidade rasgava os meus braços, quase o suficiente para brilhar na minha espada - Delula foi breve: "Não existem homens entre os meus números, Miuzand". E foi assim, Vincent Grinn. Deixei qualquer postura minha como homem para trás, tornei-me mulher no Clã das Bruxas. Mas não foi assim que eu atingi o meu posto. As outras bruxas não me aceitariam assim, tão facilmente. Olga tornou-se Senhora quando congelou os dedos de Delula. Me foi permitida a osteofagia quando eu queimei um de seus fios de cabelo. Se eu tenho inveja da Senhora Olga? Não, o posto dela como Senhora foi mais que merecido. Eu, assim como a própria Primeira Bruxa, sabemos disso. E sabe porque o posto como Senhora me foi dado, Grinn?

Minha espada brilhou com os raios, e a silhueta de Vincent Grinn se revelou. Bem, estava diferente dele, de certa forma, mas não era importante. Eu o via. Era o suficiente para conseguir cortá-lo. Avancei com toda a minha velocidade, aquela que eu sabia que ele não era capaz de reagir completamente. E meu ataque foi aparado pela adaga dele. Nem cheguei perto do orbe. Ele devolveu o choque ao meu corpo com ainda mais força e eu fiquei no chão, paralisada. Seria ridículo morrer desse jeito.

- Você deu azar, Senhora Miuzand. Eu estava preparado para tentativas como essa. Não existem outros elementos que produzam luz e que você consiga usar, estou correto? É uma pena, mas esta adaga, a Corta-Relâmpago, é mais que suficiente pra lidar com você. E eu senti, mais uma vez, a intenção assassina. Ele não se viraria para me enfrentar novamente. Eu ficaria no chão até que ele terminasse o trabalho e aí, me mataria, só pra não deixar uma ponta solta. Eu estava tremendo, a eletricidade não sairia tão facilmente, mas eu não tinha mesmo mais muito tempo. Não sei qual seria o efeito dos espinhos dele na minha ressurreição, então ficar parada no chão e sangrar até morrer não era uma opção. Levantei-me.

- A Primeira Bruxa...

- Eu pensei que você se renderia. Não há mais muito que você possa fazer, Senhora Miuzand. Resigne-se ao seu papel como derrotada

- Eu mandei você não me interromper. - é incrivel, o efeito da raiva. Da obstinação. Do desejo humano de ir além do que lhe é cabível. Eu o sentia do meu coração aos meus braços, às minhas pernas, aos meus olhos e ouvidos - Eu recebi o meu posto como Senhora depois de apresentar maestria com cada um dos cinco elementos, Vincent Grinn - eu estava recebendo sua atenção, enquanto seu rosto era iluminado pela luz alaranjada, que crepitava através da minha espada.

- Cada um? Mas você é uma bruxa!

- Eu sou apenas o que eu nasci para ser, Vincent Grinn. Eu sou Senhora Miuzand, e não deixarei você ferir Delula, Olga ou quem quer que seja!

É maravilhoso o quão bem a raiva queima.

Shard of LiesOnde histórias criam vida. Descubra agora