Gustavo

12 2 1
                                    

Sempre que dava, a gente reunia a família no restaurante da minha avó, era uma maneira de estar todo mundo junto, num momento em família, em que eu escolhia uma vítima pra ser o sarro da vez. Dessa vez seria o Ruan, porque depois que encontrei umas fotos nossas de uns 15 anos atrás, num Carnaval qualquer, e ele estava fantasiado de coelhinho da Play Boy, eu só poderia compartilhar com todo resto da humanidade. A começar pela família Medeiros.

Cheguei mais cedo porque dona Juju queria conversar comigo sobre "assuntos importantes". O restaurante ainda estava fechado para clientes, por isso entrei pela porta de funcionários, falei com o Paulão, um coroa muito maneiro que já trabalhava há anos como cozinheiro da minha avó. Tinha sempre umas histórias engraçadas pra contar.

O salão ainda estava com pouca luz, minha avó deveria estar no escritório. Resolvi passar antes no banheiro, já que não sabia quanto tempo os "assuntos importantes" durariam.

Meu celular tocou com a Celina falando as mesmas coisas chatas de sempre, me perguntando onde eu estava, porque eu ainda não tinha voltado pra ela...

Empurrei a porta do banheiro puto porque ela não ia desistir tão facilmente, quando levei um baita susto com uma garota gritando, achando que eu era um cliente. Minha avó logo chegou, e eu pude apenas me desculpar com a dona do esfregão do banheiro masculino.

"Mas você mal chegou e já está sendo o centro das atenções? Nem veio falar com a sua avó?!"

"Oi, vó. Tá de funcionária nova?",

"Oi, amoreco. Sim. Me desculpe se nem te avisei, mas você sabe o quanto fico tomada pelas coisas daqui.",

"Não, pô... Você não precisa me dizer nada."

Percebi que ela queria mesmo era saber se eu havia decidido ir no lugar dela para resolver umas pendências do seu último marido, ela não ia falar, mas eu já sabia que tinha me feito esse pedido porque não queria mexer nas suas lembranças. Voltar à Itália, lugar onde passaram sua Lua de Mel, onde viveram momentos felizes juntos, seria demais pra ela. E é claro que eu nunca ia negar algo a essa mulher tão incrível. Na verdade, eu estaria fazendo um favor a nós dois, porque ficar umas duas semanas longe da Celina seria um paraíso.

Desde que seu marido faleceu, toda a família tentou se aproximar mais da vovó, e eu principalmente consegui um ótimo pretexto pra ficar por perto, me tornar seu sócio. A gente fez umas reformas bem legais, modernizamos bastante coisa, e eu fiz questão de colocar um gerente pra ficar com a parte pesada. Mas só quem não conhece a Juju pra achar que ela deixaria isso assim fácil. Vivia pra aquele restaurante. Respirava por ele.

Eu pelo menos fui mais esperto do que minha mãe por exemplo que achou que ela precisava passar uma semana marcando em cima pra saber se a minha avó estava comendo, dormindo, tomando os remédios e foi colocada à vassourada pra correr.

A minha avó tinha uma força pra viver incrível, de inspirar qualquer um. Estar mais perto dela me fez confirmar que terminar com a Celina de vez foi a melhor coisa que eu poderia ter feito até então. Que paz.

Após nossa reunião super secreta, liguei para o Ruan já para alertá-lo das nossas fotos. Ele soltou uma gargalhada tão alta que quase fiquei surdo.

"Porra, vai gritar no ouvido do caral..." (pela cara da minha avó, era melhor eu desligar.)

"Vou lavar sua boca com água sanitária, mas daquele balde que a Sara estava lavando o banheiro."

"Sara."

"Tu sossega, hein, garoto?! Não venha me trazer problema! A Sara é uma menina muito especial, muito na dela, mas que desde o primeiro momento que a vi, sabia que precisava de ajuda."

"Ih, só repeti o nome. Tô de boa aqui. Só fiquei curioso. Mas se a senhora está dizendo isso tudo dela, é porque ela deve ser...",

"Que barulho foi esse?",

Corremos para fora da sala em direção ao banheiro e vimos o Paulão com os olhos arregalados apoiando a cabeça da Sara. Era muito sangue pelo chão que há pouco tinha sido limpo por ela. E a garota desmaiada.
Puta que pariu!

"Liga pro Ruan, fala pra ele vir correndo!"

"Mas o Ruan é oftalmologista..."

"LIGA!"

Meu amigo já estava estacionando, quando recebeu meu chamado. Logo ele já estava cuidando do que pareceu ser um corte no supercílio. Que garota desastrada!

Minha avó estava decidida, e a Sara não tinha muita escolha, ia ter que ir ao hospital. Ela já tinha ido ao armário da menina, pego sua bolsa, mas a cara de desespero da garota ao ver tudo acontecer só não foi maior do que o pulo que ela deu dizendo que estava bem, que havia escorregado apenas e que não tinha necessidade de exames.

Minha outra vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora