Gus

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Há uns dias vinha tentando levar minha vida à normalidade de um cara solteiro. Refiz alguns contatos, fiquei com algumas garotas, revi muitos amigos que se afastaram de mim porque não suportavam as chatices da Celina. Não sei como eu aguentei por tanto tempo.

No início era bem tranquilo. Ela é a maior gata, inteligente, era simpática, vivia sorrindo, mas com o tempo, começou a mostrar quem realmente era. Uma pessoa insegura, cheia de rancor da vida, culpava a todos por seu pai ter largado ela e sua mãe. Talvez por isso dessa insegurança toda. Tentei bancar o psicólogo por um tempo, ouvindo suas queixas, amenizando os barracos que ela criava aonde íamos. Mas teve uma hora que cansei. Percebi que não era mais seu noivo, que parecia mais um conciliador, abafando problemas que não eram meus. Aí quando eu pedi pra terminarmos, ela disse que estava grávida, que eu seria um babaca se a deixasse assim. Minha mãe veio com tudo pra cima de mim, mas era claro que eu não a deixaria grávida de um filho meu.

Os meses foram passando, e comecei a desconfiar se realmente essa criança existia. Ela sempre arrumava um jeito de não me deixar estar presente nas ultrassonografias, só me mostrava a foto. Mas nada de barriga, enjoos. Inclusive fazia planos de viajar em alguns meses para esquiar não sei onde. E pelos cálculos, já estaria de quase 9 meses. Quem esquiaria com um barrigão desse? Até que de repente vi que tudo não passava de uma armação daquelas bem nojentas. Comprei um teste de farmácia e a obriguei fazê-lo. Na minha frente. Sem truques. Negativo. Desgraçada!

Ela ainda teve a cara de pau de dizer que perdeu, que estava vivendo o luto, que não conseguia suportar a verdade, mas nada mais me fazia acreditar. Fui atrás do médico que ela dizia fazer os exames. Tudo falso.

Desde então, não consigo olhar na cara dela. De nojo. E minha mãe ainda insiste nesse fracasso de relacionamento. Que ela fez por amor, que ela precisa de mim, blábláblá...

Com o fim dessa vergonha de noivado, me senti livre, mais leve, sem aquele peso que eu carregava quando estávamos juntos e eu nem percebia.

Eu imaginava que voltar à vida de solteiro seria um pouco estranho, depois de alguns anos, mas eu achava que logo seria a mais deliciosa realidade.

"Já estou saindo. Ele desconfia de alguma coisa?",

"Não, cara. Tá tudo como combinado. Ruan é o maior lerdão pra essas coisas.",

"Hahaha. Daqui a pouco estou aí. Valeu.".

Estava saindo de casa quando meu telefone tocou. Era a vovó toda nervosa, dizendo que a polícia foi procurar uma tal de Ana no restaurante, que disseram ter sido vista frequentando o local. Pra ter certeza de que ela estava realmente bem como dissera, fui ao seu encontro pra até mesmo tentar entender essa história toda.

"Cadê eles? Já foram? O que queriam?",

"Eu estava aqui no escritório, quando a recepcionista veio me dizer que a polícia queria falar comigo. Já fiquei nervosa, achando ser sobre alguém da família, algum acidente, sei lá. Talvez por isso eu tenha achado tão estranho os dois investigadores passando por essa porta me enchendo de perguntas sobre essa menina."

"Mas por que aqui? Quem é ela? Ela esteve aqui? E se for alguma maluca, criminosa? Você viu alguma foto? Reconheceu?",

"Eu vi muito rápido, estava muito nervosa, mas não a reconheci. Meu querido, me desculpe te ligar, não era pra você ter vindo até aqui só pra isso. Estou bem agora.",

"Ah, tem merda nisso aí. Como vão dizer que viram essa mulher no restaurante, a polícia bater aqui. Não, tem coisa aí.",

"Você deixa de ser desconfiado e vá pra festa do seu amigo que a essa hora já deve saber da surpresa, e você vai perder a oportunidade de rir da cara de bobo dele.".

Dona Julieta quando quer me despachar, nem precisa fazer força, já segura delicadamente pela mão, passa a mão pelos meus cabelos, me olha com aquela carinha de anjo e quando percebo, já estou do lado de fora de sua sala.

Passei o caminho do bar pensando nessa história maluca de Ana. Que coisa esquisita. Se eu estivesse na hora, eu mesmo iria enchê-los de perguntas.

Cheguei e a festa já tinha começado, mas o aniversariante ainda estava a caminho. Menos mal. Peguei uma cerveja e do meu lado vejo aqueles olhos brilhantes apertados, com sorriso largo:

"Sara." (Porra, estava mais gata ainda).

"Gustavo." (E ainda falou meu nome daquele jeito).

"SURPRESAAAA" (e foram confetes pra todos os lados, todo mundo zoando o Ruan, e eu a perdi de vista. De novo.)

Minha outra vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora