Capítulo 1 O resgate

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Quando a equipe de resgate chegou ao local do acidente, o corpo delicado da pobre garota de dezessete anos, agora muito ferido, permanecia vivo talvez apenas por certa teimosia do espírito de Suzana que por algum motivo se recusava seguir para o que vem adiante.

A multidão inconformada com o que acontecera a pouco, aglomerados ao redor do corpo ensanguentado dificultavam ainda mais o trabalho dos paramédicos que lutavam abrindo espaço ao meio dos curiosos que procuravam os melhores ângulos possíveis para registrarem a tragédia através das lentes das câmeras de seus celulares.

- Afaste-se! - Gritou um dos paramédicos, ao lançar mão ao peito de um dos curiosos empurrando-o com força para longe. - Para trás! Para trás! O senhor deveria ter vergonha do que está fazendo. Saia da minha frente antes que eu destrua o seu celular!

- Eí, Roberto! Acalme-se cara, precisamos de você aqui - disse um dos paramédicos, tentando acalmar o amigo que furioso com a multidão avançou contra um dos curiosos e acertou-lhe um soco no rosto.

- Está bem! Acho que esse idiota vai pensar duas vezes antes de filmar outra vítima de acidente novamente.

- Você precisa se acalmar cara! - Disse o paramédico calvo, que ostentava um bigode largo acima dos lábios. - Você anda muito estressado, você está deixando as merdas do trabalho afetar a sua vida. Você devia sair um pouco, quem sabe arrumar uma namorada. Você está precisando se aliviar, se é que você me entende?

- Não me enche com esse papo de psicólogo, Carlos! - Respondeu o rapaz de olhos claros e corpo esbelto. - O que temos aqui? - Perguntou se abaixando ao lado da garota.

- Mulher jovem, vítima de um atropelamento, múltiplas fraturas. Possível traumatismo craniano.

- Sinais vitais?

- Ela está respirando, mas perdeu muito sangue - Respondeu Carlos, que observava o peito da menina descer e subir com muita dificuldade, enquanto a jovem lutava para manter-se respirando.

- Precisamos de uma retirada daquelas, se quisermos que ao menos a garota tenha uma chance. - Disse Roberto, que tinha certa intuição de que a menina não sobreviveria.

- Salvem a vida dela, por favor! - Gritou uma senhora de meia idade ao aproximar-se dos paramédicos surgindo do meio da multidão. A mulher de longos cabelos castanhos segurava em seu colo uma menina de cabelos dourados que estava aos berros e não aparentava ter mais que três anos de idade.

- Faremos tudo que está ao nosso alcance, senhora - disse Carlos, tentando ser o mais simpático possível que aquela situação permitia.

- Vocês precisam salvá-la - insistiu a mulher. - Essa garota é uma heroína, olhem para minha netinha. Eu me descuidei por alguns segundos, e foi o tempo suficiente para que ela corresse para o meio dessa rua movimentada. E agora... Agora só está viva por conta dessa jovem que se atirou na frente do carro e impediu que minha garotinha fosse atropelada por um carro.

- Com toda certeza faremos tudo e mais um pouco para salvá-la - disse Carlos forçando um sorriso. - Agora preciso que a senhora se afaste e deixe a gente trabalhar.

- Uma heroína em? Quem diria? - Comentou Roberto, quando Carlos se aproximou novamente. Antes de ouvir a conversa o homem havia tido outra impressão da menina, graças ao Jeans surrado e a velha camisa desbotada da banda Nirvana que a garota de pele clara vestia.

- Ela até que é bonitinha - sussurrou Carlos.

- Pervertido! - Brincou Roberto. - Mas tenho que concordar que ela não é de se jogar fora - disse ao observar as curvas do corpo torneado da menina de longos cabelos negros.

O tempo que levou os primeiros socorros em Suzana, e a remoção de seu corpo quase sem vida do local do acidente aparentou passar em um estalo de dedos, e logo a ambulância a caminho do hospital voava baixo pela avenida principal de Rio dos Vales, uma pacata cidadezinha no interior do estado de São Paulo. Ultrapassando sinais vermelhos e ziguezagueando como se estivesse costurando os outros carros, o motorista avançava sem medo nessa corrida contra o tempo para salvar a vida da garota.

E foi em um cruzamento que a ambulância viera a se chocar com algo que se movia tão rápido que por segundos havia se tornado invisível aos olhos do motorista que nesse momento já atingia o dobro da velocidade permitida daquela vicinal. Com o impacto a ambulância girou no ar, e quando aterrissou, capotou por quase um minuto completo. Quando finalmente o veículo parou próximo ao meio fio, estava muito amassado e vazando combustível, não demorou para as chamas começarem a consumi-lo.
Foi nesse momento, que algo de força que vai além da capacidade humana arrancou as portas traseiras da ambulância como se fossem feitas de papel.
Suzana, a única que por algum milagre ainda estava viva, fora arrastada para longe das chamas.
Um estranho homem de vestes negras carregou a jovem para longe do acidente, com todo cuidado repousou aquele corpo frágil no chão, e logo depois se ajoelhou ao lado dele.
Ele sabia, que a garota não tinha muito tempo de vida. Ele teria que fazer algo rápido, não poderia permitir aquela morte. Não se quisesse continuar com seus planos, ele precisava de um corpo vivo. Então, mesmo não querendo foi obrigado a usar uma boa parte da graça que ainda habitava em sua essência angelical, e assim frear a morte inevitável.
O estranho homem levantou a camiseta da menina deixando-a seminua. Mesmo sem poder perder tempo, ele sentiu-se atraído por aquele corpo novo. Enquanto suas mãos deslizavam pela pele macia e bronzeada da garota, uma sensação prazerosa preencheu o vazio que ele estava acostumado a sentir. O que era aquele entusiasmo? Aquele sentimento ardente adentrando o seu ser? Ele nunca havia sentido aquilo antes. Ele sabia que sentimentos assim nada de bom poderiam trazer.
Esforçou-se ao máximo para esquecer tão acontecimento, e voltou a se concentrar no que realmente precisava: um corpo novo.
Naquele momento as pontas dos seus dedos brilharam como brasa, e ao tocarem o corpo da garota logo abaixo dos seios, queimou lhe a carne. E dessa forma prosseguiu até que tivesse terminado de marcar a pele da menina com um símbolo enoquiano que impediu que o espírito deixasse aquele corpo visivelmente sem salvação.
Ela estava proibida de conhecer a morte, pelo menos naquele instante.
O corpo humano que a tal misteriosa entidade angelical usava, já estava irreconhecível e marcado. Ele precisava de um novo, ou não chegaria ao seu destino final.

- Mais uma vez a grande criação do nosso Pai se mostrou útil - disse o homem que sangrava muito. - Sinto dor! - Sussurrou.

- Preciso me apressar, ou me encontrarão. - Gemeu quando um enorme par de asas negras se revelou após rasgar a carne do corpo que fora usado por ele há décadas, aquele pedaço de carne já não lhe servia mais.

- Estou ficando fraco! Se não for agora esse será o meu fim. Já não a chances desse corpo voltar a conviver entre os humanos novamente. Livrar-me-ei dele, e por algum tempo ficarei invisível para meus perseguidores. Finalmente poderei pensar em um plano. Não posso deixar que me levem de volta ao Paraiso, eles não terão piedade. Nem todos por lá são piedosos. Com esse novo corpo tenho uma chance, pelo menos espero que sim, preciso de um descanso para recuperar meus poderes. Essa moribunda é a minha única esperança. Onde foi que me enfiei? Estou acabado. Quem diria que os macacos de alguma forma se tornariam úteis. Talvez Lúcifer estivesse errado, mas isso eu nunca saberei. Humanos não costumam se dar bem voltando à vida depois de saberem o que á do outro lado. Espero que essa não se lembre de nada e que  continue com a mesma inteligência que a fora concedida. Caso contrário, estarei perdido.
Por que ela não acorda? Já usei quase todo o meu poder, mais do que isso estarei me colocando em risco. Imagine morrer por tentar salvar um macaco? Eu não tenho mais tempo. Se eles me encontrarem aí estarei encrencado de verdade. O inferno perto da prisão celestial é uma colônia de férias.
Reaja... Reaja macaca imbeci!
Me de uma chance. Isso... Isso... Respire... Respire... Estou salvo! Pelo menos por um tempo.

E nesse momento apenas um beijo bastou para que Suzana fosse completamente preenchida por uma entidade poderosa. E por milagre, a jovem que já deveria ter morrido conseguiu enganar a morte, pelo menos por algum tempo.

Olá, tudo bem? Espero que você tenha gostado do começo da história! Não esqueça de deixar o seu voto e um comentário com sua opinião sobre o capítulo. Grande abraço e fique com Deus!

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