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Narração por Victor Lunardi On

   Entro em casa empurrando a porta sem me lembrar que ela é de vidro, a maçaneta bate na parede e volta e eu quase sou atingido. Penso no que devo fazer e eu apenas paro no meio da sala, me forçando a respirar fundo pra me acalmar. Eu não sou do tipo que se entressa fácil mas ultimamente tenho ficado surpreso com o quão isso tem mudado. Volto e fecho a porta com cuidado, conferindo se nada aconteceu a parede. Falta uma lasca quase imperceptível de tinta ali, mas eu resolvo isso mais tarde. Só quando decido me dirigir á cozinha é que percebo a presença de Viros e Fla na sala jogados no sofá, que me encaram sem entender nada. Ignoro sua reação e continuo andando, cheio de fome.

- Tá tudo bem, irmão? - Viros aparece escorado na porta enquanto eu termino de lavar as mãos. Ele cruza os braços e fixa os olhos em mim, esperando por uma resposta.

- Tá sim, irmão. Valeu! - Respondo, passando pela geladeira e pegando a maionese assim como o pão no armário. Viros assente e sorri, desconfiado como só ele, e vem até mim aos pulos.

- Vocês brigaram denovo? - Ele volta a perguntar, deixando as muletas de lado e se sentando ao meu lado. - Conseguiu falar com ela?

- Tô tentando mas ela não dá oportunidade. Só sabe repetir que quer distância e que o beijo não significou nada. Eu tô quase amarrando ela numa cadeira pra ela me dar atenção. - Cruzo os braços, olhando para o nada e tentando organizar todas as ideias e memórias na minha cabeça. - Ao mesmo tempo que acho que ela não tá nem aí pra mim, ela parece estar, cara.

- Olha, se quiser eu posso falar com ela. Ela me ouve... - Ele sugere, me fazendo observá-lo, eles são realmente muito amigos e passam boa parte do tempo juntos. E eu sou só o cara apaixonado que ela odeia.

   É isso mesmo, cara apaixonado. Ninguém nunca soube dessa parte da história, na verdade eu nunca contei pra ninguém além de Viros e nem mesmo esse meu amigo sabe que com o tempo a falta de Júlia me fez sentir o mesmo que alguns diziam que ela sentia por mim. Meu sentimento foi além do que eu achei que podia sentir por alguém...

- Deixa pra lá, é melhor eu deixar ela em paz antes que isso a prejudique ou atrapalhe o nosso trabalho. Mas valeu mesmo assim! - Bato em suas costas lhe entregando o pão que montei pra ele e saindo da cozinha com o meu em mãos. É melhor começar a editar o vídeo de hoje porque ele não vai se editar sozinho.

   Sento na mesa já ligando o computador e preparando a câmera para começar os trabalhos logo de uma vez. Meus olhos se fixam na tela preta do computador e meus pensamentos se organizam. Julia e eu nos beijamos na noite passada. Por mais que ela insista em dizer que não foi um beijo de verdade e que pra ela não significou nada, pra mim foi melhor do que tudo que imaginei nos últimos tempos e eu não consigo esquecer. Há muitos meses atrás quando eu fiz a maior besteira da minha vida, o vídeo que ninguém conhece, eu achava que a raiva de Júlia não ia durar muito. Nós sempre gravamos juntos e ela entendia meu jeito, meus conteúdos e tudo o que eu fazia pra entreter o público. Minha cabeça de criança não entendeu que eu tinha ido longe demais, ela praticamente expôs seus sentimentos quando me beijou, eu já tinha ouvido de muitas pessoas que ela sentia algo mas nada nunca havia saído da sua boca nunca. O beijo, aquele primeiro beijo, só semanas depois eu fui perceber. Era ela falando pra mim, cara! Mas eu nunca pude te dar um retorno porque ela me cortou de vez da sua vida, eu deixei de significar algo e aquilo era doloroso. Nós nos víamos em festas e ela fugia, na sua casa a família toda já sabia o que dizer pra me afastar dela e seus amigos não me respondiam quando eu perguntava por ela. Perdi a melhor pessoa que eu tive na vida por alguns minutos de vídeo, mas eu a entendo, eu parti seu coração e mereci tudo o que ela retrucou mas a questão é que eu não posso mais viver sem tê-la, mesmo que como amiga.

The Mess I Made | IShowOnde histórias criam vida. Descubra agora