X: quantum entanglement.

2.2K 328 388
                                    

 Este capítulo contém linguagem de baixo calão, violência verbal e física contra mulher.

Lembrem-se que isso é ficção, mas esse é um problema real. Caso presencie ou enfrente algum episódio como o citado, a denúncia de violência doméstica pode ser realizada em qualquer delegacia, com o registro de um boletim de ocorrência, ou pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas em todo o país. Algumas prefeituras também oferecem centros de atendimento que acolhem as mulheres em situação de violência.

Informe-se e não se cale! 


Capítulo X: entrelaçamento quântico.

"O amor é a única coisa que somos capazes de perceber que transcede dimensões de tempo e espaço e talvez nós devêssemos confiar nisso, mesmo que ainda não entendamos."

Amélia Brand, Interestelar.

Passei muito tempo da minha vida imaginando o que era o amor e como ele funcionava. Quando eu era pequeno, vi meu pai dar um buquê de flores vermelhas para minha mãe como presente de aniversário de casamento e, em seguida, vi minha mãe dar a ele um beijo carinhoso como agradecimento. Observando silenciosamente a cena, cogitei a possibilidade de aquilo ser amor. Entretanto, no dia seguinte, durante o crepúsculo, ouvi meus pais discutirem alto e o barulho de coisas se quebrando — às vezes, tenho a impressão de que o coração de minha mãe se encaixava nisso.

Depois de alguns anos, vi minha mãe fazer um bolo com muito amor, atentando-se aos pequenos detalhes e escrevendo o nome do meu pai no prato usando calda de chocolate. Algumas horas depois, vi o rosto de meu pai se tornar vermelho vivo e sua mão derrubar o prato no chão. Em seguida, ele resmungou audivelmente que "bolo não é presente de aniversário" e, enquanto recolhia os cacos que caíram no chão, aos prantos, minha mãe perguntou "por que bolo não é, mas flores são?". Tal frase fez com que ela recebesse um empurrão capaz de fazê-la cair sobre o vidro. Enquanto o sangue dela escorria por sua pele, meu pai se levantou e foi embora sem dizer mais nada.

As coisas só pioraram depois disso. Minha casa passou a possuir um ar pesado e tudo lá dentro era confusão — na maioria das vezes, ela era silenciosa e isso fazia com que as pessoas ao redor pensassem que nada estava acontecendo. Raramente agressões físicas ocorriam, mas minha mãe era constantemente oprimida por meu pai. O sangue não voltou a escorrer pela pele de minha mãe, mas as lágrimas nunca a abandonaram. Ela sofria cada vez mais e, a cada dia que passava, se tornava mais taciturna. O medo era tanto que até seu choro era silencioso.

Minha mãe sempre teve muito medo da morte, mas acabou se casando com ela.

Carreguei comigo tudo o que foi dito a mim durante muito tempo. Foi consideravelmente simples liberar um perdão parcial ao meu pai, mas nunca fui capaz de esquecer nada do que ele disse — desde os termos pejorativos cuspidos em minha cara, até os gritos de reclamação que ecoavam pela casa toda.

— Você não presta para nada! — meu pai esbravejou. — A única coisa que você precisa fazer é cuidar da casa e nem isso você consegue, sua inútil!

Meu corpo foi para trás com o susto. Eu não esperava um grito tão alto e, quando o som atingiu meus ouvidos, meu coração disparou. Gemma soltou um grunhido de dor atrás de mim quando pisei em seu pé ao me afastar um pouco da porta, mas cobriu a boca com a mão para se silenciar. Não podíamos ser vistos, nem ouvidos — caso isso acontecesse, tudo ficaria ainda pior.

— Eu tenho duas crianças para cuidar, Desmond! Não é como se eu tivesse ficado o dia inteiro sem fazer nada!

— Foda-se essas merdas desses pirralhos! Nós dois sabemos que, quando eu chego em casa, a comida não está pronta e a casa está bagunçada porque você é uma inútil.

COSMOS [hes + lwt/ short-fic].Onde histórias criam vida. Descubra agora