Luccino queria poder dizer quando que tudo começou, em qual momento toda sua vida mudou por completo, em qual segundo todas suas verdades viraram de ponta cabeça e ele se viu sem chão e sem direção. Não, talvez no fundo, lá no fundo, ele tinha noção quando ele finalmente se encontrou. Porque antes de tudo era que ele realmente estava perdido.
O soldado acordara após uma boa noite de farra com seus amigos do batalhão. Ele, Randolfo e Ernesto eram bastante próximos, e normalmente eles teriam chamado o Coronel Brandão para beber; Luccino tem intimidade o suficiente com seu superior para tomar umas bebidas com ele. Mas Brandão iria tirar férias atrasadas de alguns meses com sua esposa Mariana e seus filhos. Luccino tinha sido padrinho de casamento dos dois, era amigo de infância de Mariana. Ele sentiria falta deles enquanto eles estivessem fora.
Durante o banho, Luccino ouviu falar do major que iria substituir o Coronel Brandão durante esses meses. Ele não era do Vale do Café, era da capital e estava vindo por um pedido direto do coronel. Luccino ouviu Brandão falar algumas vezes dele, e o chamava de "destemido" e "persistente". O soldado não gostava desses adjetivos, parecia alguém suavizando para dizendo que a pessoa era cabeça-dura.
-Se o coronel disse que ele é um bom major eu acredito. - disse Randolfo, saindo de banheiro e enrolando a toalha na cintura.
-Eu nunca disse que ele não seria, mas... - Luccino não gostava do que sentia.
-Ele está com medo do major não adorar ele como o Brandão. - debochou Ernesto, jogando uma toalha na cara de Luccino.
-Não diga isso! - Luccino ficou envergonhado.
-Tudo bem, Pricelli. Todos no batalhão sabem que você é o preferido do Brandão. - riu Randolfo.
-E será o preferido do major também. - Ernesto disse ao apertar os ombros de Luccino e balança-lo.
Luccino não podia negar: ele era um coração de ouro. Um rapaz íntegro, que não fazia mal a ninguém, sempre pedia desculpas se pisasse no pé de uma moça durante a dança e ajudava alguém que tivesse sacolas demais para carregar. Poderia parecer alguém sonso demais para demonstrar sua verdadeira essência, mas Luccino era verdadeiramente bom.
Todos já estavam fardados e organizados em fila para receber o major. Alguns soldados conversavam entre si, aproveitando o momento para falar sobre o que fizeram em suas folgas, ou dizer como estava em casa. O batalhão não era longe da cidade, mas alguns soldados passavam a semana dentro do quartel. E a maioria dos rapazes solteiros preferiam dormir lá, caso quisessem sair a noite para visitar alguma dama.
-Como está Ema, Ernesto? Finalmente ela aceitou sair com você? - perguntou Randolfo.
-Ainda não, sinto que este dia está perto. - Ernesto respondeu, confiante.
-Soube que a décima quinta vez é que dá sorte. - riu Randolfo.
Nesse momento foi ouvido o barulho do trote dos cavalos, indicando que uma charrete chegava. O batalhão se organizou em uma única fila, dando espaço de um braço entre cada soldado, e eles viram uma elegante charrete parar na frente do quartel. O Coronel Brandão acenava para a pessoa que estava dentro dela, se aproximou do veículo e pegou uma pesada mala, muito maior do que previsto.
-Às vezes esqueço como é um ávido leitor, Otávio. - sorriu Brandão, segurando a mala com as duas mãos e levando-a para o interior do quartel.
Segundos depois uma pessoa saiu do interior da charrete, com uma mala menor. Ele era alto, com o cabelo penteado pela lateral, tinha um porte rígido, próprio para sua patente. Seus olhos eram ávidos e perspicazes; ele não perdia nenhum movimento. Suas sobrancelhas eram grossas, e acima de seus finos lábios havia um bigode bem cuidado. Ele tinha a mania de enrola-lo entre os dedos, deixando a ponta um pouco para cima.
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Encanto
FanfikceCom a chegada de um novo major, rígido e muito arrogante, o batalhão do Vale do Café sentirá mudancas. O soldado Luccino Pricelli principalmente.