Capítulo 1 _ Parte 1/3

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                             Decisões

31/12/1987

      Quando mais nova, Emma costumava correr atrás do quintal enquanto sua mãe tentava pegá-la. Sempre com um avental azul ciano, e alguns respingos de óleo, dona Diná, como a chamavam, procurava manter seus filhos sempre felizes. Romeo, pai de Emma, olhava as duas pessoas mais importantes de sua vida correndo do outro lado da janela, enquanto segurava a terceira pessoa significativa para ele, em seu colo.

Quatorze anos depois...

        ___ Emma. Já faz duas horas que chegamos...No que tanto pensa?

___ Darlan... Ele... Ele...___Emma gaguejava, pois ainda não aceitou a morte inesperada do irmão. "Como uma corda de aço". Era assim que os irmãos descreviam a ligação entre si.

___ Ele o que mulher?

___ Ele... ___Nesse momento, a moça de cabelos castanhos escuros, encarou Eduardo Rayder Coleman como nunca antes havia feito. Não era só repentina a partida do irmão, mas também a mudança comportamental do homem à sua frente. "Teria ele algum distúrbio? Ou seria somente pena?", pensou a jovem.

___Se foi... Para sempre.

     Após grande estática onde só o barulho da chuva parecia existir, Eduardo tentou falar algo, porém percebeu que talvez nenhuma palavra fosse suficiente. Não naquele momento. Segurando os braços da jovem sentada na cama, a puxou para um longo abraço. Ofereceu algo para ela. Saiu a encarando com seus olhos azuis. Se retirou, ligou para funerária e logo assim na manhã seguinte estaria Emma, chorando sobre a lápide de mármore do irmão de apenas quinze anos.

...31/ 12/ 2001

     Já era noite em Pitsburg. As velas permaneciam acesas em uma mesa farta, e costumeira de sempre. A champanhe recém colocada nas taças borbulhava. Nesse ano, "não muito diferente dos outros", como pensava Emma, tudo era igual. Exceto pela sua presença no outro lado da mesa. Eduardo corria os dedos no bordado feito por Emma nos guardanapos. Admirava cada detalhe intensamente, como um bom observador. Havia nesse ano uma flor preta em cada paninho, tão delicada como a jovem. Eduardo subiu o olhar e a admirou enquanto ela olhava para as mãos em cima da mesa, sem sequer ter tocado na comida. Suas maçãs do rosto era o que ele mais admirava, mas não só isso.

     Tudo em Emma era de certa forma, particularmente, incrível aos olhos de Eduardo. A voz calma e firme de Emma era tudo o que ele desejava ouvir depois de chegar do seu escritório. Emma não entendia nem merecia a forma como foi tratada por ele e só agora ele entendeu isto. Após a morte de Darlan, tudo em sua vida se transformou. O homem que escutava rock antigo nas horas vagas, voltou todo o seu foco para a mulher. Evitava muito contato físico, porém sempre estava presente quando podia e muitas vezes, quando não podia. O mais peculiar nisso nem era o fato de Eduardo lhe observar todas as noites só pra ter certeza de que Emma estava mesmo dormindo. O mais peculiar nisso, é que à jovem foi de fundamental importância em seu tratamento contra a depressão, depressão essa, na qual Emma nunca soube.

     O trágico acidente que ocorreu há seis anos atrás quando Emma tinha apenas dezesseis anos e Eduardo vinte e um, aconteceu. A menininha que sempre morou na casa dos fundos e que desde a morte dos seus pais passou à usar um avental azul velho, acabou se tornando o grande amor de Eduardo. Um amor não correspondido, pois com o passar do tempo ele pensou não ser suficiente para ela. A indiferença de dele era notável, mas tudo não passava de um grande disfarce. As noites após a morte de Darlan não foram nada fáceis. Nesses vinte dias, as tentativas frustradas de suicídio, foram impedidas. Agora que Eduardo estava curado graças a Emma, tudo o que ele queria era poder retribuir o favor. Como um tiro no escuro Eduardo escolheu estar ao lado de quem ele ama e a respeitar, ela o amando ou não...

    ___Emma. Não está com fome?

___Não! Senhor.

___Me sinto como um velho com você falando assim. Já disse, pode me chamar de Eduardo. Somos amigos agora. Certo?

___Sim, mas ainda não consigo te chamar pelo nome. Me perdoe.

___Não há pelo que pedir perdão. Oras! Eu que devo, novamente pedir desculpas pela forma como te tratei por tan... ___ Interrompe Emma, sem muito se preocupar.

___Senhor. Posso pedir algo?___ Indagou.

___Claro.

___Se importaria se eu colocasse um prato a mais na mesa?

___A Fernanda foi passar a virada de ano em casa, se esqueceu?___ Naquele momento, tudo fez sentido para ele. Ao ver os olhos da garota cobertos de lágrimas pode entender a mensagem. Não é como se ela pudesse esquecer do irmão de uma hora pra outra. Até mesmo Eduardo se pegou pensando no adolescente por muitas vezes.

___Não é para ela... É para Darlan. Como se ele estivesse junto com a gente.

___Ah sim. Eu faço questão de pegar mais uma taça e ...___ Risos___Do que ri? ___ Eduardo já sentia saudade daquela risada que preenchia sua casa. Uma risada simples, mas quando vem de quem se ama uma simples risada muda o dia inteiro de uma pessoa ou talvez, até o amanhã.

___ Ele é um adolescente ainda. Não bebe. Seu bobo. Queria oferecer suco de uva na taça?

___Verdade. Tolice a minha, mas veja, suco de uva é seu preferido.

      Após aquela conversa, Emma serviu um prato à mais. Eduardo colocou suco de uva nas taças e os dois observaram o céu na varanda, lado a lado. Eduardo levava a forma como Emma achou de manter a ideia da presença do irmão sempre perto, estranha, mas se a fazia bem mesmo que momentaneamente, era se era o que tornaria seus dias melhores. Chegando o sono, Eduardo à levou para o quarto e lhe cobriu com o cobertor do irmão falecido. Depois de muito cuidar do seu irmão aquela mulher não se negou a aceitar um cuidado.

    É natural a fragilidade e necessidade de afeto por parte de alguém que perdeu o único que a abraçava depois da trágica morte dos pais. Emma ainda não sentia nada que ultrapassasse gratidão pela pessoa que a cobriu por noites, mas no fundo ela se perguntava se chegaria a amá-lo, ou se ficariam juntos pelo medo de ficar só. Quando o sino da igreja toca, é como uma música de ninar para a jovem que logo caí no sono, depois de muito pensar em três coisas: 1°) Quando toda essa dor passara?, 2°) Por que meu patrão mudou de forma tão repentina e agora me trata como uma irmã mais nova? 3°) Darlan teria o mandado como um anjo da guarda aquele dia?

     Nessa noite Emma teve um sonho, onde Eduardo tinha asas enormes e seu irmão sorria e lhe dava adeus. Seria então Eduardo um anjo da guarda? Emma acordou durante a noite, observou como Eduardo estava encolhido no tapete ao lado da cama e se perguntou se ele teria feito isso todas essas noites. Aos seus vinte e dois anos, sempre lera sobre o amor, mas não vivera um amor. Recordou-se de ter lido em algum livro o mesmo ato e sorriu com a estranha possibilidade. Pegou uma coberta e o cobriu.

     O desejo de morte ainda assombrava sua mente. Naquela noite ela fez as malas e saiu sem rumo pelas ruas. Emma se sentia sozinha e perdida. Tinha medo do que seria dela agora. Ainda tinha medo de Eduardo e mais medo ainda do que poderia sentir por ele. Ela não queria ser de ninguém, queria ser dona do seu próprio destino sem ninguém para interferir, como Eduardo fizera quando à impediu de suicidar-se.

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" Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher
Sou minha mãe e minha filha, minha irmã, minha menina,
Mas sou minha e não de quem quiser".

Renato Russo.

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