São 22:30
A noite passa lenta, e Emma tem um sono escasso. Tantas perguntas pairavam em sua mente. Ela não contou tudo ao médico, não o disse que suas memórias antigas estavam confusas e misturadas, pois tinha muita vontade de sair de lá. Se lembrava perfeitamente da dor que sentiu quando seu irmão morreu, que por ter perdido a memória essa dor ainda estava muito recente. Ela sentia essa dor, mas ela não a destruía como antigamente. Não tinha mais vontade de chorar, nem de deitar no chão ou se matar. O buraco que essa perda deixou seria irreparável, mas ela sabia que seguiria em frente, pois seria isso que seu irmão diria a ela. "Ele era só um adolescente", pensava enquanto o sono não vinha. Deitada naquela cama estranha, que ela não sentia ser dela, se lembrava do dia que visitou seu irmão no túmulo. Ela queria olhar pela janela e enxergar as estrelas, como um dia lhe prometeu que teria anos luz de lembranças.
Pela manhã Nicolás bateu em sua porta, deixou o café no quarto e saiu para trabalhar. Emma não entendia como alguém podia ser tão bom, mas não pensava em dizer isso à ele. Tinha receio do tamanho da gratidão que poderia vir a sentir por ele. A manhã estava silenciosa, parecia que não tinha nenhum carro na rua, foi aí que Emma se deu conta de que nem sabia qual dia da semana era aquele. Nicolás lhe disse que hoje ela teria uma visita muito especial e que era uma surpresa, ela ficou furiosa quando ele não quis dizer quem era.
Depois que Emma tomou seu café, se sentiu melhor, porém as lágrimas desciam e caiam junto da xícara. Dentro da alma dela havia um vazio que ela não sabia como preenche-lo. Tantas coisas das quais ela queria se lembrar, tantas lembranças confusas que vinham e iam. Pensava quando seria sua consulta com a psicóloga, e quando voltaria a enxergar. Ela queria traçar novas rotas, queria um futuro e não viver em um mar de incertezas. "Eu preciso de paz"!!! Ia de um lado para o outro dentro da casa, contava os passos e já estava quase decorando tudo. Talvez ela não soubesse as cores de todas as coisas, ou onde estivesse as tomadas nas paredes, que também era algo importante, mas já se sentia um pouco menos dependente. Ela não queria ter que precisar de alguém o tempo todo, não queria se sentir um fardo para ninguém. Cada minuto que se passava ela ficava mais nervosa, nem a televisão a distraía.
O filme que passava era um romance clichê, e ela estava o detestando. Ia para a cozinha, procurava na geladeira algo para comer, mas não saber o que estava pegando era a parte mais complicada. Naquela manhã ela pegou um suposto doce na geladeira, mas quando enfiou a colher era manteiga. O iogurte era requeijão cremoso, a água era suco, o queijo era bacon, e tudo virava uma confusão. Depois de muito se confundir, ela pensou que não teria acontecido a metade dessas coisas, se ela tivesse cheirado cada uma das coisas que pegou na geladeira. As batidas na porta lhe despertaram no sofá. Ela desligou a televisão e foi caminhando lentamente até a porta.
___ Quem é?
___ Sou sua surpresa___ Disse a voz de uma mulher.
___ Essa surpresa tem nome?
___ Sou eu Emma, Brianna Roberts! A diretora do orfanato. Nicolás não avisou que eu vinha?
___ Ah sim. Vou abrir___ Emma abre a porta e recebe um abraço apertado.
___ Que saudade de você! Faz muita falta no orfanato! As crianças já até querem te ver___ Diz enquanto entra. Seu cabelo escuro misturado com alguns fios brancos estava preso num coque, enquanto sua blusa social vinho combinava com os sapatos.
___ Ah. Obrigada.
___ Que apartamento lindo Manu! Olha que coisa mais linda. Esse Oliveira caprichou!
___ Pode ficar a vontade. Já se sentou?
___ Já sim. Vem cá Manu senta aqui do meu lado, vamos conversar.
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Linhas Temporais
Romance#13 em Eduardo Um arremedo de dias. Linhas paralelas, tênues entre o tempo e a complexidade do viver. Precisamos de tempo para viver, mas é possível viver sem saber o que aconteceu durante algum tempo? A importância das decisões...