O Gato de Coturnos

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Pela primeira vez, Mikael via o rotineiro movimento no andar do prédio onde trabalhava a coisa mais tediosa possível. Em plena segunda-feira, não só tediosa como chata e irritante. Sentado em frente ao seu computador seu semblante estava sério. Sua "cara de mau" era tão conhecida entre seus colegas de trabalho que praticamente ninguém suspeitou que alguma coisa havia acontecido com ele.

Olhava para a tela estática do monitor à sua frente, com os braços cruzados debruçados em suas coxas. Olhava como se estivesse encarando o computador quando na verdade sequer prestava atenção ao seu trabalho. Talvez ele nem lembrasse que tinha algum trabalho à fazer.

Nick ficava aborrecido ao vê-lo desse jeito e por ser o único a saber o motivo dele estar assim. Mesmo assim, tanto um quanto o outro tinha que seguir em frente e fingir que nada havia acontecido. Foi andando em direção a ele com com uma pasta verde na mão.

— Tá aqui o desenho do esboço que eu disse que ia fazer. — Disse entregando.

Mika pegou a pasta e deixou na mesa perto de si. Não falou nada, não olhou para ele, nem disse um "obrigado". Permaneceu com a mesma cara séria.

— Não vai falar nada?

— Eu tô ocupado.

— Então vai ficar com essa marra pra cima de mim o tempo todo? Já deu, né?

— Eu já disse que estou ocupado.

Ele não se iria embora assim, sem mais nem menos. Mesmo sabendo que Mika estava chateado com ele, Nick não queria que esse clima continuasse. Por isso, ele sentou-se na cadeira ao lado e encarou ele.

— Cara, eu sei que tá chateado comigo e eu mandei mal em não falar nada pra você. Mas, porra. A culpa não é minha.

Ele continuou sem dizer nada por alguns segundos, mas depois resolveu se pronunciar. Olhando para ele.

— Olha, eu sei que você não tem nada a ver com toda essa história. Não sou um retardado pra não ver isso. Mas eu tô cansado de todo mundo esconder as coisas de mim, eu tô cansado de ser tratado como um trouxa.

— Minha intenção nunca foi te tratar como um trouxa.

— Eu preciso de um tempo pra digerir tudo, tá? Eu não vou virar a cara pra você aqui. Eu sou profissional e vou continuar fazendo o que tiver que fazer no trabalho. Mas vai ser só isso daqui pra frente.

— Tá bom, você é quem sabe.

Ele levantou-se e colocou a cadeira no lugar certo. De nada adiantava dar murro em ponta de faca. Nick queria muito fazer as pazes com o amigo, mas o único jeito para isso era esperar a poeira abaixar e dar tempo ao tempo. Foi embora, ainda aborrecido. Sentindo os estilhaços de um problema que nem era dele, mas passou a ser quando viu o que não devia.

Meia hora havia se passado e Mika continuou trabalhando, sentado no mesmo lugar. O final de manhã deixava ele impaciente. Queria sair daquele prédio, tomar um ar. Aquele espaço lhe sufocava, assim como o apartamento onde morava. Em suma, parecia que nenhum lugar em que ia fazia ele se sentir melhor. De certa forma, estava passando pelo terceiro estágio do luto, a parte mais agonizante.

E mesmo assim, continuou com o seu trabalho. Algo que também fazia parte dessa troca, trabalhar para ficar mais tranquilo. Se colocar a criatividade para funcionar não deu certo, pelo menos ajudou a ocupar o tempo. Tanto que minutos depois chegou a tão desejada hora do almoço. Que fez com que o redator publicitário se levantasse logo da cadeira para sair daquele andar. Logo estaria na rua, o destino não importava.

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Andar pelas ruas de São Paulo por volta do meio-dia poderia ser considerado um pesadelo para muita gente, mas também algo inevitável. Em meio à um trânsito movimentado e ininterrupto, muitos aceleravam seus veículos em várias direções para chegarem logo à algum lugar. Praticamente um formigueiro de concreto com semáforos, placas e radares.

Amizade Com Algo a Mais 2Onde histórias criam vida. Descubra agora