Carta para você

10 2 0
                                    



Santana do Ipanema – Alagoas, 10 de setembro do ano galáctico 2018

Minha cara,

Escrevo-te, ainda presa a saudade dos nossos dias de sonho. Cercada aquela pracinha, agora deserta. É noite, pontos isolados de luz clareiam minha escrita solitária, a nostalgia me inspira teimosia a me queimar as retinas da memória. Meu sorriso perdido em meio à tristeza de ter sido tão breve o tempo a nós permitido. Saber da impotência diante as circunstâncias causadoras do descarrilhar nossa nave em tempestades nebulosas nos desalinhava as órbitas.

Hoje, meu bem, faz um mês que nos vimos, o tempo deslizava como as águas quebrando as ondas na maciez praiana, dava vontade de eternizar o tempo debaixo da mangueira a florir. Eu ansiava o crepúsculo a anunciar a lua em companhia constelar. Inquietavam-me teus risos presos. Flores que não vi desabrochar ao alvorecer. Assustadas, eu impaciente, tu resguardada.

Sei bem, não contive meus arroubos. Eu morri a cada suspiro, não era certa do que ainda significavam a ti, os meus sopros levemente sôfregos. Isso nos aconteceu, o que se seguiu me corroeu em dias, talvez pelo tormento de meu efeito nocivo ao teu coração, cujas veredas tivera eu a sorte de conhecer. Agora sei ainda não conheço de todo, será tu o conheces? Cogitava as possíveis reações ao que ousara: burlar a ordem das coisas, tentativa vã. Não me arrependo, mas faria diferente, em parte. Deixa eu te dizer: naqueles dias estava impulsiva, tomada pelo imediatismo do "agora ou nunca", minha razão limitava-se a não cometer fatalidades irremediáveis, só percebi que o fizera tardiamente.

Em minha'lma foram momentos mesclando árduos sentidos ao sabor de sal a me secar o sentir nas veias, desejei o impossível, saciar a sede em teus lábios, mas dessa sede morri, desejando o beijo que nem ousara pedir, menos ainda roubar, entranhada à aridez. Afoguei-me em distrações nocivas, infringi mais que a lembrança de ti, esnobei meu amor próprio ao tentar te esquecer, fugi de mim, perdi-me mais, joguei-me ao esquecimento, mergulhei no vazio de mim, encarei o egoísmo em minha face estúpida, carrasco de mim. De tudo tentei, fracassei por nada: Atropelei o ciclo quase restaurado, provoquei teu silêncio, enlouqueci-me afundando à culpa de não ter mantido nossa jura de fazer do nosso breve-eterno encontro permanecer distante do fado angustiante por mim despertado.

Perdoe-me, meu coração nunca fora educado para conter emoções, quando me vi dispersa no azul celeste das manhãs de horas indissolúveis, passando na calmaria de tempos remotos, findavam num profundo beijo embora imerso em obtusidade, dos sabores à ocasião... Creio isto ser quase irrelevante, ou talvez nunca seja... As recordações quiçá calcificam com o tempo, o que nos tornaria uma fotografia desbotada, passado de fato.

Porém, neste segundo, a lanterna da saudade me cega a razão emocional, e eu tendo a ser mais uma vez uma tola por ti. Cercada de nosso museu poético, tão vivo, invisível aos olhares dos poucos mortais que transitam por aqui, eles sequer imaginariam: duas jovens senhoritas, nas ruas dessa cidade ousaram "poemar", cantando poesias, ressoando em gritos ocos, calando-se no silêncio de versos numa galáxia particular, aonde o amor se fez belo. E como todo fenômeno raro da natureza, encanto finito de valor eterno... Ah, e quão bonito!

Dedico-lhe estas palavras, que lhe sejam doces minhas saudades e ternura eternas... parca ilusão, quimera que não me habita mais porque às vezes nos deixamos esvair, a eternidade tem um preço, de você eu não consegui arcar, me foi caro demais daquela saudade eterna me curar, você como sábia cirurgiã de sentimentos extirpou sem piedade a saudade dolorosa. Sou-lhe grata, mostrou-me que há quem  dê motivos de saudades mais saudáveis... Hoje posso morrer e ressuscitar todo segundo, como uma fénix de saudade sem arrependimentos ou lágrimas indesejadas, e danosamente penosas como as que derramei por você.

Na doce penumbra do recordar do que se fez o que a vida nos permitiu...  

Boa sorte ...

Assina

J.

P.s. Quem não sente falta de saudades suas?


Versos do Coração SelvagemOnde histórias criam vida. Descubra agora