Capítulo 7

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O último dia foi o mais estranho.

Não só porque tomamos café no quarto, ou porque Henry evitava as camareiras e espiava a rua através das cortinas de cinco em cinco minutos, mas também porque aquele sentimento de liberdade havia desaparecido completamente.

Eu já estava preocupada com os últimos centavos na minha conta bancária e com o que enfrentaria quando voltasse para casa. Ficar soterrada de classificados e currículos não era nem um pouco animador.

Henry continuava tentando se agarrar ao último resquício de diversão, e se esforçava para inventar coisas legais para fazermos. Todas dentro do quarto.

— Há tantos lugares para visitarmos ainda! Eu vi na internet um museu que... — Tentei argumentar.

— Desculpe, Liz, mas não acho uma boa ideia sairmos — ele disse, checando a janela pela milésima vez.

— Por causa do fotógrafo?

— É. Eu liguei para a Mey, e ela disse que ele esteve sumido esses dias. Então, ele pode muito bem estar aqui.

— Entendi — disse para não render assunto, tentando ignorar a vontade de perguntar quem diabos era Mey.

Depois de assistirmos à um filme, eu resolvi descer para fumar um cigarro do outro lado da rua. Já estava entediada e frustrada por não podermos aproveitar mais um dia de liberdade irresponsável. Sentia que poderia enlouquecer se ficasse mais um minuto naquele quarto.

Foi quando um cara se aproximou pedindo emprestado o isqueiro. Não reparei muito nas suas roupas e nem nos objetos que carregava, tão absorta eu estava com toda a minha frustração e com a falta de perspectivas da minha vida. Eu estava mais preocupada com todas as minhas opções de trabalho dali em diante, do que com um desconhecido qualquer.

Voltar a ser camareira, garçonete ou vendedora não estava nos meus planos. Mas eu não tinha plano algum. Eu queria algo diferente, eu queria ter um caminho, uma paixão, uma coisa que fosse a luz no fim do túnel para todos os dias em que me sentisse desmotivada, sem vontade de me levantar da cama.

Uma luz disparou ao meu lado, rápida como um relâmpago, e só então acordei para o mundo real. O tal estranho estava tirando fotos do hotel, escondido atrás de um carro, fumando o cigarro enquanto esperava por mais um clique.

Aquilo era surreal. Eu me sentia dentro de uma novela ou um filme de suspense. Precisava voltar para o hotel com urgência, antes que Henry resolvesse descer para tentar me esconder, mas eu também não podia sair correndo, ou o fotógrafo descobriria quem era a amante do rockstar daquela banda... aquela que eu nem sabia o nome.

Comecei a andar o mais calmamente possível naquela circunstância, na direção oposta, como se planejasse entrar na padaria que havia ao lado do hotel. Disfarcei um pouco, olhando para os pães de mel expostos na vitrine e resolvi comprar uns dois para ganhar tempo. Eu já estava no caixa, confusa sobre qual moeda eu deveria usar, quando o cara entrou e pediu um maço de cigarros à um vendedor. Era a minha deixa.

Joguei uma nota qualquer para o caixa e saí, o mais rápido que podia, corri até a recepção do hotel e subi três lances de escada, como se minha vida dependesse disso.

— Pães de mel! — sorri, quando abri a porta, me esforçando para não ofegar o suficiente, torcendo para que Henry não percebesse nada.

— Ele falou com você? Responde, ele falou com você? — Henry estava tão arfante e pálido quanto eu.

— Não sei do que está falando, Henry.

— Do fotógrafo! Eu vi! Ele falou com você.

, tudo bem, ele pediu meu isqueiro e depois ficou tirando umas fotos — admiti, me jogando em uma poltrona.

— Suas? — ele começou a entrar em pânico.

— Não. Do hotel. Das janelas.

— Ai, meu Deus, nós temos que voltar! Nós temos que ir embora antes que...

— Calma! Talvez ele nem seja quem você está pensando.

— Eu disse que não era boa ideia sairmos.

— Ele nem me conhece, Henry. Relaxa!

— Relaxa? — ele ergueu a voz, indignado. — Qual é o seu problema? É a minha imagem que aquele cara vai detonar lá fora! Sou eu quem ele vai destruir — eu fiquei boquiaberta, enquanto ele gesticulava, furioso, à minha frente. — Eu não sou igual a você! Eu não posso simplesmente quebrar uma regra e perder o meu emprego por um caso de férias. Não é um emprego qualquer, Lissie! É a minha vida!

— O meu emprego era importante para mim! — eu respondi, mantendo a voz no tom normal, mais por estar em choque do que por querer ser educada. — Eu tenho que pagar aluguel e todas as minhas coisas. Eu não tenho um agente, um produtor ou, sei lá, um empresário para fazer isso por mim. E também não posso ficar nas costas da Clarice.

— Você acha um emprego como aquele facilmente, Lissie — ele uniu as sobrancelhas.

— Ah, sim, eu acho mesmo! A economia do meu país permite que eu mude de emprego como troco de roupa, aliás — eu disse, sarcasticamente. — Sabe, você precisa de um pouco mais de realidade, Moritz. Não é só o seu mundinho que existe, o seu país rico e a sua vida rica.

— Olha só, dá para parar de insinuar que eu sou esnobe?

— Dá sim, se você parar de menosprezar a droga da minha vidinha sem importância! — eu gritei.

Havia me esforçado para controlar o tom de voz e para sair com um pouco de dignidade daquela conversa, mas eu estava tão decepcionada com aquele novo Henry, me sentindo tão enganada por ele ou por mim mesma, pela ilusão que criei, que não consegui me conter.

— Isso tudo é por causa da sua namorada, não é? — eu disse depois de alguns minutos, depois de ir para o banheiro e respirar um pouco. — Você não quer que ela saiba.

— Co-como sabe que eu tenho namorada? — ele perguntou, aproximando-se devagar.

— Você disse. No primeiro dia, quando entrei no seu carro por engano. Você comentou que ela fazia questão de um hotel cinco estrelas — eu disse, abaixando o rosto para não olhar para ele.

— Lissie, me desculpe — ele se aproximou e pegou meu rosto entre as mãos. Eu ergui os olhos, mas não consegui sustentar o olhar. — Eu sinto muito. Eu tenho sido um babaca e, por favor, eu não quero que você pense que eu sou assim.

— É, você tem sido mesmo — Concordei, cruzando os braços.

— Desculpe por dizer aquelas coisas. Eu estive... estou muito estressado. Por isso as férias, por isso tão longe de casa. Eu queria só me afastar um pouco e esse cara vir atrás de mim é simplesmente uma merda.

— Eu quero ir embora — Eu disse, me abaixando para recolher algumas roupas minhas que estavam espalhadas pelo chão do banheiro.

— Não, espera — ele pediu, me puxando de volta para ele. — Fica. Nós podemos nos divertir, podemos fazer muitas coisas...

— Aqui no quarto — completei, finalmente encarando-o. — Eu sinto muito, Henry, mas as férias acabaram.

Ele tentou me convencer mais algumas vezes, andando atrás de mim, enquanto eu juntava as minhas coisas de qualquer jeito na mochila. Depois ele desistiu e ficou sentado de frente para a lareira, enquanto eu tentava encontrar um voo disponível para aquele mesmo dia. Henry não iria voltar comigo, porque planejava despistar o fotógrafo, mas prometeu voltar à minha casa para buscar as suas roupas na primeira oportunidade que tivesse.

Ele nunca voltou e nem mandou alguém para buscar suas coisas.

Eu doei tudo depois de um ano e só fiquei com o baixo verde e a lembrança do último pedido de desculpas, com os olhos marejados e um beijo meio amargo de café.

A canção que te escreviOnde histórias criam vida. Descubra agora