Gramado, Brasil
Inverno de 2013
O hotel estava cheio de turistas aquela semana. Eu odiava turistas.
Estavam sempre com um bom humor exagerado, torrando uma grana preta em compras caríssimas, tirando foto de cada pequena parte da cidade, sem nem dar um bom dia aos pobres mortais que limpavam suas sujeiras. Eu sempre me sentia desconfortável no meio daquela gente. Algo parecido com ser um estrangeiro ou um alienígena.
Mas, infelizmente, não haviam inventado uma forma de ganhar dinheiro dormindo ou vendo séries e aquele era o meu terceiro emprego em menos de cinco meses. Eu simplesmente tinha que aguentar se quisesse continuar morando debaixo de um teto e tendo a geladeira cheia, mesmo que fosse de porcarias e cervejas. Apesar de eu ser totalmente um zero à esquerda, e de todas as coisas que fizera, roubar era contra os meus princípios.
Ajeitei minha franja e saí, empurrando o carrinho de limpeza. Aquela era, com certeza, a pior hora do dia porque as pessoas passavam esbarrando em mim, derrubando alguns produtos de limpeza e nem se desculpavam. É impressionante como você se torna invisível, quando está metida em um vestido azul desbotado, com o cabelo amarrado bem firme em um coque.
O dia estava terrivelmente frio, o mais frio do ano, e eu tremia dentro daquela maldita roupa, enquanto a chata da gerente me ditava o que não fazer.
— Ande logo, Alissie. Não temos o dia todo! — ela dizia, andando rápido na frente, enquanto eu empurrava aquele carrinho pesado.
— Não sei por que está me acompanhando —, bufei — já conheço tudo nesse hotel! Era só me dizer o número do quarto que é para limpar e me dar a chave.
— Acontece, querida, que esse quarto é um dos melhores daqui e você nunca entrou nele. — Disse, antipática, numa voz superior de quem acabou de vencer a discussão.
— Eu sei abrir portas — ironizei.
— Seu humor me mata! — disse ela, amarga. — Só tome cuidado porque ele pode te botar na rua.
— Eu não teria tanta sorte — sussurrei.
Pensei em puxar aquela mulher pelos cabelos falsamente loiros e ensinar para ela o que poderia me botar na rua, mas pensei no meu pequeno apartamento, naquele quarteirão de universitários, em Canela, e resolvi engolir mais aquele sapo.
— Chegamos — ela passou um cartão magnético na porta do quarto e a abriu.
Entrei empurrando meu carrinho, que agora já nem pesava tanto. Eu estava encantada. Nunca tinha visto um lugar como aquele. Era enorme e luxuoso. As paredes eram forradas com papéis de parede incríveis e haviam cortinas de veludo que desciam do teto até o chão. Além do quarto, onde ficava a enorme cama de dossel, havia uma pequena sala de estar, uma sacada e um banheiro com hidromassagem.
Eu pensava em duas coisas enquanto olhava, maravilhada, para aquela decoração: Quanto tempo eu demoraria para limpar e quanto tempo eu sobreviveria lá dentro antes de ter um ataque de asma capaz de me matar. Apesar de lindo, o quarto parecia ter sido usado apenas por Getúlio Vargas e depois permaneceu fechado até aquele dia.
— Quero esse quarto impecável, fui clara? — ela me entregou o cartão e eu tratei de fechar logo a boca e afirmar que sim com a cabeça. — O hóspede deve chegar em poucas horas, então arrume tudo e saia logo.
— Tá! — respondi de má vontade, olhando a vista da janela. Nem importava mais com o que aquela mulher dizia. Estava sendo absorvida pela visão daquele lugar enorme, que era três vezes o tamanho do meu apartamento.
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