Olho para o despertador que marca 7 horas e 15 minutos. Dou um pulo da cama e tomo uma ducha morna, visto a primeira roupa que eu vejo pela frente. Desço as escadas correndo. Minha tia já está me esperando na garagem. Entro no carro sem tomar nenhum um café. Ela me fala:
- Pronta para ir para faculdade, meu amor?
- Sim tia! Sinto-me novinha em folha. Forço um sorriso.
Não aguento mais minha tia me mimando como se a qualquer momento eu pudesse fugir e me jogar da ponte. Odeio isto. Eu odeio ainda mais o filho dela. É difícil me esquivar o tempo todo dele.
Dez minutos depois chego à faculdade. Tenho aula no hospital escola. É uma aula de pneumologia sobre Asma. Não falo com ninguém, me sinto perdida no meio de toda aquelas pessoas desconhecidas.
Na hora do almoço me escondo em uma mesa afastada, estou engolindo o macarrão quando sinto alguém cutucar meu ombro.
- Oi!
- Oi! Digo para o garoto de cabelos escuros e olhos claros do meu lado.
- Rafael! Você é a transferida de São Paulo...
- Aham. Alice, prazer. Falo, torcendo para que ele não prolongue a conversa.
Mas, ele se senta na minha frente e começa a falar sem parar sobre a faculdade. Eu mexo a cabeça fingindo prestar atenção.
- Está tudo bem?
Porque será que as pessoas me fazem esta pergunta o tempo todo será que o meu passado está estampando na minha cara.
Forço um sorriso e digo:
- Tudo ótimo. Eu estou realmente bem!
- Porque você veio pra cá?
A verdade ou uma mentirinha inocente? A segunda opção é claro:
- Gosto do interior, será mais tranquilo terminar a facul aqui. Estou morando com a minha tia Maria Amélia.
- Maria Amélia? Não é a mãe da Carlinha e do Murilo?
- Isso! São meus primos.
- Estudei junto com a Carlinha no ensino médio.
- Que legal! Agora, eu preciso ir. Tchau! Digo.
Entro na sala para assistir a aula de tarde, mas minha cabeça fica vagando.
- Alice, qual é o exame padrão ouro para esta patologia?
- Hmmmm... Raio-x?
O professor faz uma cara de reprovação e diz:
- Precisa estudar mais.
É eu realmente tinha começado muito bem. Tudo porque aqueles olhos azuis horrorosos não saiam da minha cabeça.
Minha tia foi me buscar às cinco horas.
- Como foi à aula, querida?
- Bem, tia... Estou morrendo de dor de cabeça.
- Oh! Coitadinha.
Fiquei o restante do caminho em silêncio. Ao chegar a casa fui direto para o meu quarto, estava exausta tudo que eu mais queria era um banho quente.
De repente, escutei o som de um violão. Reconhecia a música na hora:
“Seus olhos e seus olhares milhares de tentações...”.
Minha música predileta! Cantada pelo timbre rouco de Murilo. Não resisti à tentação e fui até o corredor na direção da música. Parei. A porta do quarto de Murilo estava entreaberta, fiquei ali escutando ele cantar:
“Como você me levam sempre onde querem...”.
Fechei os olhos prestando atenção na música, até que ela foi interrompida.
- Lilica, eu vi você! Fica a vontade, pode entrar.
Fiquei procurando um buraco para enfiar a cabeça, mas não achei, respondi sem graça:
- Eu só estava passando...
Murilo abriu a porta, sorriu, disse:
- Venha aqui Lilica! Fiquei fora tantos anos, faz muito tempo que não conversamos.
Eu tenho certeza que eu deveria ter resistido a aqueles olhos azuis e dito não naquela hora, mas eu falei:
- Por que, não?
Entrei no quarto dele, estava bem organizado. Sentei-me na poltrona, ele na cama.
- Como vai à medicina?
- Bem... Cada vez mais difícil, mas eu gosto e você trabalhando em publicidade?
- Estou em uma agência. Mas acho que logo vou acabar indo para uma cidade maior. Eu lembro que desde pequena você falava que ia ser médica.
- Você lembra?
- Claro que sim, Lilica. Eu só não podia imaginar que você fosse ficar tão linda.
- Obrigada. Disse ficando vermelha.
De repente minha tia entrou no quarto fez uma cara de reprovação, disse:
- Ia te chamar pro jantar, filho.
- Eu já estava de saída, tchau! Disse.
Fui para o meu quarto, mas pude escutar minha tia falando:
- O que foi isso?
- Nada mãe.
- Por um momento eu achei que... Esquece. Vocês são como irmãos, não se esqueça disso.
É claro que éramos como irmãos, o que mais poderíamos ser? A minha tia tinha uma imaginação muito fértil.
Assim que cheguei da faculdade no dia seguinte, vi Carlinha me esperando no meu quarto.
- Lili! Vai ter uma grande festa. Gente do direito e da medicina vai. Vamos?
- Acho que não é uma boa ideia.
- É claro que é. Você tem que se distrair um pouquinho, é aqui perto e nem acaba tão tarde!
- Quando é?
- Amanhã. E é a fantasia!