Capítulo 03 - Cartas

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Três semanas se passaram desde que eu e o Thiago discutimos por causa do anel e desde então a Luísa não apareceu novamente, mas agora eu sinto que devo lhe falar sobre a minha avó. No meu armário tem uma caixa redonda azul com uma fita branca escrito "Cartas para Andreza", eu sinto uma conexão muito forte com a minha avó e sempre que acontece algo que me deixe triste eu a escrevo uma carta mesmo sabendo que não será entregue e guardo junto com todas as outras.
Quando minha mãe tinha dezessete anos, ela contou a seus pais que estava grávida, mas nunca soube de quem era, minha avó ficou transtornada porque mal tinham dinheiro para se sustentar, então ela pediu que minha mãe fizesse um aborto, mas é claro, não foi isso que aconteceu, antes mesmo de eu ter nascido minha avó sumiu, pelo menos isso foi o que meu avô contou, já a minha mãe jura que nada disso aconteceu e diz que eu não devo me importar. Mas sem mudar de assunto, esse foi um dos dias em que escrevi mais uma carta.

"Sempre que escrevo essas cartas, é porque me veio uma sensação de desespero, tristeza, angústia ou dor, sinto que você é a única pessoa que me entenderia nessas horas, Andreza. Eu sinto a sua falta, não sei se a perdoaria por ter ido embora, mas eu desejo com todas as forças que você esteja viva, que você esteja bem, que você esteja feliz, porque eu sei que você fez o que fez por desespero, e eu te entendo, mas eu peço todas as noites que você um dia volte, pra ficar. E quero que saiba de uma coisa, eu penso em você todos os dias. Amo-te."

Ah, essas cartas sempre me fazem chorar, escreve-las me faz esquecer um pouco do que estou passando. Eu estava prestes a guarda-la na caixa quando meu avô abre a porta devagar e diz:
- Julia? Está acordada?
- Oi vô, estou sim.
- Está tudo bem com você minha neta?
- Sim, só estou um pouco cansada.
- Cansada? Não é o que parece, você está bem mesmo?
- Estou, é sério, não precisa se preocupar comigo. - Insisti.
- Tem certeza? Se quiser conversar saiba que eu estou aqui.
- Tá bom, não estou bem - Ele então se sentou ao meu lado na cama, me olhou com um breve sorriso e logo disse:
- Você quer me falar o que aconteceu? Se não quiser tudo bem, eu entendo.
- Eu não sei como pude ser tão idiota, é lógico que ele iria defender a irmã dele.
- Do que você está falando?
- É sobre o Thiago.
- O que aconteceu entre vocês dois?
- Não sei se eu quero falar sobre isso.
- Por que não?
- Tá bom, nós discutimos há alguns dias e desde então não nos falamos.
- Por que? O que aconteceu?
- Meu anel sumiu no dia em que a Luísa veio aqui em casa, então eu pensei que ela tinha pegado.
- O que? O seu anel? Mas aquele era o anel da sua vó, você disse isso pra ele?
- Foi exatamente por isso que nós discutimos, ele disse que estava errada e que a minha mãe tinha pego o anel.
- Por que ele diria isso?
- Ah, você sabe que minha mãe não é tão responsável quanto a Luísa.
- Pois é, sabemos disso - começamos a rir.
- O que eu devo fazer?
- Sei lá, o que você acha?
- Não sei, acho que vou...
- Julia, a resposta está de baixo do seu nariz.
- Nossa vô, que clichê isso.
- Não estou brincando, essa carta na sua mão, era mais uma para a sua avó, não é?
- É sim, por quê?
- Pois então, escreve uma carta para o Thiago, esqueça a sua avó agora, ela não vai te ajudar, não quero te deixar mais triste do que já está, mas eu vivi por muitos anos com ela, se eu a conheço bem ela não irá voltar.
- Acho que você tem razão, está na hora de virar a página.
- Nossa, você vai mesmo mudar de opinião assim?
- Claro que não né, até parece que não me conhece.
- Ah, eu te conheço melhor que você. A mesa do café está pronta, você vem?
- Depois eu vou.
- Tá bom, estarei te esperando.
- Obrigada mãe.
Eu pensei bastante em como poderia pedir desculpas, e bem, a ideia da minha mãe não era ruim, então decidi que escreveria uma carta para o Thiago, e claro que eu não perdi tempo, pra quem já está acostumada a escrever, eu não levei mais do que alguns minutos para escrever uma carta, era simples, mas eu tinha certeza de que ele me perdoaria. Depois de escrever a carta, fui para a cozinha tomar café já que minha mãe estava me esperando.
- E aí? O que você resolveu fazer? - perguntou minha mãe.
- Como assim?
- Seu vô me contou.
- Ah, eu decidi seguir a ideia dele, escrevi uma carta para o Thiago, espero que ele goste.
- Sério? Mas já?
- Claro, você acha que eu perderia tempo?
- Não, eu te conheço bem. E quer saber? Ele vai gostar do eu você escreveu, eu tenho certeza.
- Obrigada.
- Mas então, quando você pretende entregar essa carta para o Thiago?
- Hoje mesmo.
- Nossa, agora eu tenho certeza de que você não perde tempo mesmo.
- Eu quero conversar com ele de uma vez.
- Vê se não enrola, faz tempo que você fala que vai conversar com ele.
- Nem faz tanto tempo assim.
- Ah não? Já fazem três semanas que vocês não se falam.
- Já faz um tempinho sim, mas eu vou resolver isso hoje e nada vai me impedir.
- Tá bom, senhora do destino, me conta tudo o que aconteceu depois.
- Curiosa você hein, mas eu te conto sim, pode deixar.
- Que horas você vai?
- À tarde.

***

Ansiosa era o adjetivo que me descrevia naquele momento, depois desse tempo sem falar com ele, fui o mais depressa possível para entregar a carta. Então eu cheguei, parei em frente a porta e toquei a campainha, não demorou muito até que ele saísse, mas antes que ele pudesse falar qualquer coisa, eu comecei a me declarar:
- Oi Thiago, eu quero muito pedir desculpas por ter acusado a sua irmã, eu sinto muito. E também quero dizer que eu amo muito você, amo de verdade, e tentei deixar isso claro, tentei mesmo e você não percebeu, mas agora você sabe, então não tem mais motivos pra você não dizer o que sente de verdade por mim, porque naquele dia em que nos beijamos, eu não sei se o que você disse era verdade mesmo. É isso, tudo que eu tinha que fala, e eu te escrevi uma carta, se quiser ler depois, mas agora eu vou indo.
- Julia, espera um pouco.
- O que?
- Eu também te amo, e eu vou te amar para o resto da vida, me desculpa por não ter falado isso antes, eu não sei o que eu tinha, eu devia ter acreditado em você sobre a Luísa...
- Não Thiago, tudo bem, eu não tinha provas, você está certo, eu tenho que te pedir desculpas...
- Você quer entrar?
- Claro, eu adoraria! - respondi após alguns segundos em silêncio.
Pois é, não sei vocês, mas eu esperei muito por esse momento, foi como um conto de fadas pra mim, estávamos sem nos falar e de repente aquela declaração de amor que ninguém espera muda tudo, eu mal acreditava, me veio um frio na barriga, uma sentimento estranho de desejo realizado. Adeus tia de condomínio, eu era uma nova pessoa. Foi tão rápido que é até estranho, não pensei que aconteceria dessa maneira, eu imaginei que ele ficaria calado após tudo que eu disse, bem, o Thiago de algumas semanas atrás não teria dito nada, mas ele não deixou que eu fosse embora. E como se não bastasse, a nossa noite foi incrível.

***

Pois é, as coisas mudam rápido demais, a emoção era tanta que ao chegar em casa não falei com ninguém, fui direto para o meu quarto com aquele pensamento que me martelava a cabeça, e aproveitando que o capítulo é sobre cartas, acho que devo falar sobre a carta que escrevi para pedir desculpas ao Thiago.

"Thiago, eu sei que não fui a melhor pessoa nos últimos dias, me arrependo por isso. Hoje, eu escrevia mais uma carta para a minha vó, você sabe do que estou falando, mas o que eu não imaginava é que eu estava perdendo uma das pessoas mais importantes pra mim, e tudo por causa de um anel, que causou o meu estresse, não deveria ter acusado a Luísa sem ter provas. O que quero lhe dizer, é que eu te amo profundamente, antes eu tinha medo de te contar, mas agora eu tenho medo de te perder, por isso peço que me perdoe por tudo que disse, eu estava errada."

Tá, você provavelmente já entendeu que eu gosto de escrever, especialmente cartas, e por quê? Quando eu tinha onze anos, eu não ligava muito pra isso, minhas redações não eram as melhores da classe, mas um dia minha mãe e meu avô brigaram e minha mãe estava decidida a sair de casa no dia seguinte. Enquanto todos dormiam, eu pensava em como poderia fazer com que eles parassem de se desentender, e é lógico, eu tinha que escrever uma carta com o nome da minha mãe e colocar de baixo da porta do quarto do meu avô, quem nunca fez isso? É claro que ele sabia, não foi ela quem escreveu a carta, mesmo assim ele a perdoou. É uma historinha boba, um pouco clichê até, mas são essas coisas pequenas que realmente definem alguém.

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