Véspera de Natal

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As luzes teimavam em piscar. A cidade já não tinha aquele clima do Natal de antigamente. Poucas casas estavam decoradas. O Natal era apenas mais uma data para o comércio aumentar as vendas. O real sentido se foi. O fingimento se instalou e a solidariedade ficou apenas para essa semana. A lembrança do nascimento do menino Jesus foi trocada por um rápido desembrulhar de um pacote e a sensação de ver o esperado presente. As luzes brilhavam nas árvores, nas ruas, nas casas, mas não se acendiam mais dentro das pessoas, nem dentro dela. Agora o Natal era um baile de máscaras, quase um carnaval. Olga parou de pensar e voltou a escrever sua monografia, pois logo mais, deveria sair para comprar algumas coisas para a ceia.

Ding dong na porta da vizinha.

– Shineee. – Olga gritou.

O portão foi aberto.

– Menina, tenho que arrumar esse interfone. Me atrapalha muito ter que vir aqui fora. Entre, estou mega ocupada. – Shine voltou correndo para dentro da casa.

Olga entrou na sala e encontrou o pequeno Juan brincando de destruir os brinquedos e correndo entre os móveis. A fala do garoto era apenas: pow, pow e pow. Devia estar brincando de guerrinha.

Olga adentrou pela porta entreaberta. Shine estava em seu quarto-de-trabalho, em frente ao computador.

A vizinha sentou-se em uma poltrona e aguardou a amiga desligar a webcam.

Transmissão encerrada e Shine voltou o olhar para Olga.

– Amiga, esqueci que tínhamos que ir ao mercado. – Girou a cadeira e percebeu a cara de espanto da vizinha.

– Pelas chagas de Cristo. Você é uma exibicionista! Por favor, coloque sua blusa e esconda esses peitos.

– Sou cam girl! Tenho que aproveitar meu corpo, e se ele gera dinheiro, melhor ainda. Glórias a Deus!

– Que blasfêmia! Tende piedade Senhor. Fofinha, melhore!

– Por favor, não me faça essa cara de espanto como se fosse o quadro O grito. Melhore você!

– Estou assustada, é muita modernidade. Não sabia que você era adepta à Lei de Zipf. Então, você passa o dia mostrando as tetas e a manteigueira na frente de um computador?

– Que linguajar brega, e não sei que lei é essa – deu uma enorme gaitada. – Não é simples assim. Minha vida é tão fácil como dar banho num gato.

– Até eu tiraria de letra. Ficar rebolando na frente de uma tela, não é coisa mais complicada do mundo. A lei é sobre o Princípio do Menor Esforço. É uma piada cult que você não entende.

– Miga, minha vida não é só rebolar. Tenho jantares com alguns clientes, noites de volúpias, e ainda tenho que cuidar da casa, do marido e de Juan, que tira toda a minha energia.

– Realmente, só de olhar para o Juan eu já fico exausta. Esse menino não para de gritar e correr não?

– O dia todo é isso, nem a babá consegue aquietá-lo.

– Então vamos, antes que o supermercado baixe as portas. Esses homens na internet não têm família para organizar a ceia?

– Querida, Natal e Ano Novo são as datas que eu mais faturo. Têm muitos caras casados e solteiros sem nada para fazer. Você acha que meu gordo décimo terceiro vem de onde? Vixe! Acabei esquecendo, marquei uma transmissão para daqui a pouco, não vou poder ir com você. Esqueci totalmente e acabei marcando com você. Mas por gentileza, traga um pacote de ração para o Fulano. – Fulano era o gato de Shine.

– Ah, não Shine. Sabe que não dirijo mais. Não quero ir de táxi.

– Vá de Uber.

– Tá louca? Não quero ser apedrejada pelos taxistas ao sair de um carro particular.

– Olga, isso só aconteceu no Rio de Janeiro. Baixe o aplicativo e vá.

– Não mesmo. Tenho que passar no mercado, numa lotérica e no shopping. Com essa mega sena acumulada vai ter uma fila quilométrica. – O telefone de Olga começou a tocar. – Só um minuto, Shine. É Valentina.

– Mãe, preciso falar com a senhora!

– Filha, estou na Shine, mas já vou sair. Você quer algo da rua?

– Não, mãe. Queria perguntar se posso convidar um amigo meu para a nossa ceia. Ele não tem família e não quero que ele fique sozinho.

– Minha filha é tão caridosa, pode sim. Menino Jesus está muito feliz com você.

Se despediram e a ligação foi finalizada. Olga já havia comprado os presentes da família. Era uma mãe muito amorosa.

O pequeno Juan entrou no quarto-de-trabalho de Shine, portando um aviãozinho na mão e produzindo o barulho do motor com a boca.

Olga baixou o olhar para aquela pequena figura e fez um ar de bruxa maléfica e colocou o celular na bolsa.

– Tive uma ideia, Shine! Me empresta o Juan... não quero pegar fila. Coloco ele no colo e em poucos minutos farei tudo o que pretendo.

– O quê? Agora você quer usar meu filho? Porque não me empresta o Paco também? Ele é um pedaço de mau caminho.

– Se comporte, você é casada. Anda, preciso do Juan.

– Olga, você não suporta meu anjinho...

– Esse garoto jamais se assemelhará a um anjo, Shine. Esse aborígene precisa de um acompanhamento psicológico.

– Como você é grossa. Só vou emprestar meu filho, por que marquei com você e não poderei ir. Tenho princípios e não gosto de mentir para as pessoas. Mas por gentileza, cuide bem dele, pode levar a babá e aproveite e compre um brinquedinho para ele.

– Para ele quebrar em dois minutos? Não estou demente, prefiro comprar um sorvete. – Olga olhou para o pequenino correndo no quarto. – Melhor não. Te dou o dinheiro e você leva ele num parquinho. Ele precisa gastar toda essa energia.

– A babá tem carteira, vá com ela.

– Não trouxe minha venda para ir no banco da frente. Vou de táxi mesmo.

– É sério que você está usando uma venda?

– Sim. Eu andava muito estressada no trânsito e mesmo andando como carona eu gritava, berrava e ficava louca. Não entendo esse povo que compra um carro dois ponto zero e anda se arrastando, dá vontade de passar por cima. Álvaro vendo a situação me levou num especialista, comprou uma venda e agora posso me locomover sossegada como carona.

– Mulher, você é louca mesmo. Leve a babá de qualquer forma. Pois você é capaz de vender meu filho para o estado islâmico.

7mbro EternoWhere stories live. Discover now