Natal dark

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O pessoal do bufê, contratado por Olga, já havia chegado, trazendo todos os pratos semiprontos. Entradas: quiche de queijo, cuscuz de camarão e rolinhos de berinjela com queijo de cabra e nozes. Pratos principais: peito de peru com molho cramberry, maçã e amêndoas; lombo recheado com presunto Parma e ameixas, tender com molho de laranjas e damasco, pernil de cordeiro com hortelã, arroz de amêndoas, purê de maçãs, tortelli de ricota e nozes. Sobremesas: torta de chocolate com framboesa, torta de figos e amaretto com calda de vinho do porto. Pratos finos e deliciosos, pelo preço de mil e trezentos reais, que Olga achou quase módico e contratou sem pestanejar, pois lhe pouparia tempo e lhe renderia bons elogios.

Vinte horas e Olga desceu para recepcionar os convidados: ­Shine, o marido e o amigo de Valentina, que logo chegariam.

A casa estava lindamente decorada com delicados arranjos natalinos e muitas flores vermelhas, que Valentina colheu em seu jardim particular.

– Mãe, posso colocar umas músicas diferentes nesse Natal?

– Não, Valentina. Natal é Natal, ou você quer ouvir "sofrência"?

– Ia colocar uma coletânea de MPB.

– No Ano Novo eu deixo. MPB é chique. Pensei que você estava nível Goiás e aquelas músicas tão...

– Mamãe. É feio falar do entorno. É preconceito. Goiás é tudo de bom.

– Só falei com você fofinha. Vá chamar Paco e seu pai, que irei degustar um vinho moscatel que seu pai elegeu para o jantar.

A campainha produziu um sutil som na sala, enquanto Olga servia lentamente o vinho em uma taça.

Encaminhou-se com a bebida até a porta. Presumia que era a vizinha. Porém ao abrir a enorme porta de madeira nobre, deparou-se com uma figura pitoresca.

Ficou perturbada.

Sem palavras.

Jamais havia visto qualquer coisa parecida e tão próxima a ela.

Não conseguiu dar boa noite para aquele indivíduo de aspecto grosseiro e chocante à sua frente.

– Boa noite. A senhora deve ser a mãe da Valentina. Eu sou o amigo dela, Bieeel – o rapaz miou seu nome antes de esticar a mão, com uma infinidade de anéis em todos os dedos para a Olga, que ficou inerte, olhando para aquele ser andrógino de roupas coloridas, cabelo estilo samurai e um monte de piercings, além do lápis preto gritando nos olhos e outras informações que Olga não conseguia processar naquele instante.

– Entre. – Foi a única palavra que conseguiu pronunciar.

Biel entrou. Olga fechou a porta, recostando rapidamente nela e tomou o líquido da sua taça de uma vez, com os olhos esbugalhados em direção àquele rapaz alegórico sentando em seu belo sofá três lugares cloudy flair amarelo.

Valentina surgiu no alto da escada.

Olga correu ao encontro dela.

Subiram para o quarto da adolescente.

– Valentina, minha filha. Ave Maria! O que é aquilo lá na minha sala?

– O quê?

– Seu amigo que fala miando chegou.

– Ah, que super! Biel chegou, minha noite vai ser pop!

– Minha filha, que tipo de amizade você anda fazendo? Como dizem por aí, você é a média das cinco pessoas com quem passa mais tempo. Misericórdia!

– Ele é meu best friend. Adoooro ele.

– Pelas chagas de Cristo! O que vou fazer com esse rapaz?

– Mãe. A senhora disse que eu podia convidá-lo.

– Mas eu pensei que era um rapaz de família, não o filho da Priscila a rainha do deserto.

– Mãe se atualize. Ele é little monster.

– Little o quê?

– É como a Gaga chama seus fãs.

– Nem quero saber quem é essa... não deixei Paco trazer a namoradinha piriguete e você me apronta essa! Vamos tratar de sumir com aquele garoto.

– Nem ouse! Ele é o meu convidado, se ele for embora eu irei junto. Deu sua palavra. Ele é um luxo! Pare de julgar as pessoas e querer colocá-las em seus padrões.

Valentina deixou a mãe sozinha e desceu para a sala e logo envolveu o amigo em um forte abraço e foram colocar o papo em dia.

Ding dong novamente.

Finalmente Shine chegou, sozinha. Juan estava um pouco febril e ficou em casa com o pai.

Olga deu um abraço tão vigoroso na amiga que essa estranhou.

– Feliz Natal para você também. Parece que não me vê há anos, Olga.

– Estou aturdida. Não sei o que farei – cochichou, ainda na porta – Valentina trouxe um amigo para cear conosco, mas ele parece que saiu da Gaiola das loucas.

– Como assim amiga?

– Uma gazela, uma biba, uma bicha... um antílope está no meu rico sofá amarelo.

– Ah, para de drama. Já o tinha visto com Valentina, é um amor de pessoa. É um little monster.

– Não me venha você também! Entre, preciso beber para me acostumar com aquela figura assombrosa. Minha santinha, me ajude.

A noite seguiu tranquila. Valentina tinha levado seu amigo para o quarto e na sala os demais conversavam e beliscavam alguns petiscos.

Logo o sino da paróquia deu doze badalas.

Então é Natal e o que você fez?

Graças à cantora Simone o Natal nunca mais foi o mesmo.

Todos se levantaram para se abraçar e Valentina desceu com o amigo para aquele momento de confraternização. Enquanto a moça recebia os abraços, Biel estava igual uma samambaia, estático. Shine ao perceber foi até ele e o abraçou e o puxou para a roda de afeto. Quase todos o abraçaram, Olga e Paco na dança de lugares, se esquivaram do pobre ser.

Mais um Natal de aparências fazia sua rotina em mais uma residência da capital federal, do país, do mundo.

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⏰ Last updated: Oct 20, 2018 ⏰

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7mbro EternoWhere stories live. Discover now