A carona

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Biblioteca Nacional - 16h

Uma tempestade se aproximava, o céu estava ficando negro no meio da tarde e o vento era intenso e desalinhava, ora para esquerda, ora para direita, o cabelo das mulheres que seguiam para a rodoviária após mais um dia de trabalho. Paco estacionou o carro em frente à parada de ônibus onde Valentina já o aguardava com um vaso de flores nas mãos.

Ela entrou, bateu a porta, colocou a mochila sobre as pernas e acomodou o vaso entre seus pés.

– Nossa, você está fedendo. Não tem ducha na sua academia?

– Deixa de ser chata! Estou sendo bonzinho de te pegar. E o que era aquilo ao seu lado na parada? Um emo misturado com uma gazela?

– Aff! Vai começar. É o meu best friend, o Biel. Ele que me salva quando não faço os trabalhos, e me deu essas lindas flores. Amo, amo, amo. – Valentina olhou para seus pés e sorriu para suas rosas amarelas. – A vida dele é tão sofrida. Os pais o abandonaram e ele atualmente mora na casa de uma...

– Você acha mesmo que quero saber da vidinha do seu amigo monstrengo?

Paco esperou a irmã colocar o cinto e acelerou o carro. A avenida Eixo Monumental – que já foi considera a avenida mais larga do mundo –, estava sem muito trânsito e Paco aproveitou para extrair toda a potência do seu conversível branco, um BMW Z4.

– Que tédio. Agora você só anda em alta velocidade. Eu prefiro a vozinha que você era no início, andava devagar com medo de estragar o carro. Aff, vai estragar minha escovinha. Fecha ao menos a capota.

– Tenho que correr, tenho uma entrevista daqui a pouco, e ainda preciso caprichar na produção. – Apertou o botão e o carro virou um gracioso cupê.

– Gato, qual parte de que sua carreira como modelo babou, você não entendeu? Já era! Qual marca vai querer um cara violento em suas campanhas?

– Realmente eu exagerei. Mas meu nome foi parar na mídia, irmãzinha. – O semáforo ficou vermelho e Paco parou o carro. – Tenho que aproveitar esse marketing, mesmo que tenha sido negativo posso me dar bem no final. Estamos no Brasil. Se eu tiver a sorte das mulheres que se envolvem com políticos e daqui a pouco estão posando nuas, estarei no lucro.

– Sei, Deus tá vendo. Acho que você se deu mal. Essa entrevista é só para especular. Não vai gerar nenhum trabalho. Acho que você deveria voltar para a faculdade. – Sinal verde, o carro partiu.

– Nasci para os holofotes. Meu Instagram está bombando. Tem uma mina que conheci que quer fazer umas fotos ousadas, para eu postar. Meu corpo é minha fonte de renda e vou usar e abusar para chegar onde quero.

– Credo. Você já foi mais humilde.

– Você não entende de marketing. Estamos no século 21, você está no 17, vem para cá, aqui é legal! O mundo atual exige táticas agressivas, e as mídias e as pessoas querem babado, confusão e gritaria. Vou ofer...

– Paco! Olha a mulher dando sinal na faixa – interrompeu Valentina.

– Ela que espere eu passar! Vou só aguardar uns dias e vou 'vazar' uns nudes violentos e você vai ver como minha carreira vai bombar. Aquele modelo que tinha sumido não fez isso e voltou a desfilar? E olha que é cinquentão. Tenho um taco de valor, gata. E ele vai chamar bastante atenção.

– Que nojento isso! Para, senão eu vou vomitar. Que baixaria! Construir uma carreira séria você não quer.

– Nojo nada. Você bem já conferiu o do seu namoradinho.

Estavam quase chegando em casa.

– Lógico. Mas não sou vulgar como você. Gosto bastante dele e acho que estou pronta...

– Aff, que nojo. Não vou ouvir você falando isso.

– Bonito, eu posso ouvir suas baixarias e você não pode me escutar.

– Fale sobre sexo com a mamãe.

– Tá louco? – deu uma gargalhada. – Ela vai me fazer rezar o terço dez vezes para que o mundo encontre paz.

– Relaxa, pega umas camisinhas no porta-luvas e vai fundo.

– Melhor irmão! – Valentina fez um coração com as mãos.

O portão da casa se abriu.

Enfim, lar doce lar.

7mbro EternoWhere stories live. Discover now