Janeiro de 2006
POV Ciro
- Atende... Por favor... - Imploro, como se ele pudesse me ouvir.
Mas só ouço o mesmo de sempre. 'Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa postal...'
Pela milésima vez hoje, jogo o celular no chão, humilhado. Por acaso agora sou um cachorrinho, correndo atrás dele a todo custo?
Levanto do sofá para pegar um cigarro na cozinha, já que o maço que estava comigo agora é apenas uma caixinha vazia.
Procuro nos armários e despensas, mas não encontro nenhum. Bato as portas com força. Doze maços acabaram em três dias?!
Volto para a sala. Não estou em condições de sair pra comprar agora, então é melhor tentar engolir a vontade e continuar deitado no sofá.
Pela milésima-primeira vez, pego meu celular do chão pra tentar ligar pro Fernando. Sem sucesso. Há muito tempo perdi a conta de quantas mensagens deixei na caixa postal dele, mas duvido que ele chegue a ouvi-las. Talvez seja melhor assim; não quero que ele me ouça chorando.
Me sinto sozinho. Perdi todos os meus amantes e Patrícia virá a Brasília só no mês que vem. Além disso, ontem já levei uma bronca dela por estar carente demais ultimamente; ela está brava comigo, igual a todo mundo.
No Ministério, algumas pessoas estão me olhando diferente. Não afeta minha autoridade, então ignoro. Imagino se estão fazendo o mesmo com o Fernando.
Suspiro. Será que alguém ainda se importa comigo?
Procuro uma pessoa que possa falar comigo na agenda do telefone. Preciso conversar com alguém, ou acho que vou enlouquecer.
Dizem que a família vem em primeiro lugar, né? Mantenho esse pensamento na cabeça e tento ligar para o Cid. Meu melhor amigo ainda deve se importar comigo.
- Ciro? - Ele diz, assim que atende.
Dou uma risadinha. Conheço bem essa voz impaciente; acabei de acordá-lo.
- O próprio.
- Espero que tenha um bom motivo pra atrapalhar meu sono.
- Ora, não posso mais ligar pra saber como está meu irmãozinho?
Dessa vez, quem ri é ele.
- Quem não te conhece que te compre, Ferreira Gomes. Pra me ligar a essa hora, aposto que você está jogado em algum canto sozinho e cercado por restos de cigarro. Diria até que uma garrafa de whisky vazia está bem do seu lado.
Olho no relógio. Já passa de uma hora da manhã. Em volta de mim, estão as tais bitucas de cigarro que tenho que juntar depois. Que droga, ele me conhece bem. Só errou em uma coisa:
- É uma garrafa de vinho.
A risada dele me faz rir também; temos um senso de humor parecido.
- Parece que a coisa foi feia. Desembuche de uma vez, homem.
- É o Fernando. - Suspiro - Depois daquilo com o Lula, ele nunca mais falou comigo.
- E desde quando você é do tipo que sofre por isso?
- Não sei, acho que desde agora.
- Por acaso você tá apaixonado por um homem casado?
A pergunta me pega de surpresa. Às vezes a falta de filtros do Cid espanta até a mim. Dizem que é de família.
- Pra falar a verdade, não faço ideia.
Consigo imaginar que ele está meneando a cabeça mesmo sem vê-lo.
- Ai, Ciro, você não toma jeito. Às vezes não parece que é o mais velho.
- Eu sei, eu sei. O que eu faço?
- Olhe, o cabra meteu-lhe um murro na cara. Acho que isso é um indicativo de que ele ficou bem bravo.
Suspiro novamente. Encosto com o polegar na pequena cicatriz que ficou na minha boca. O médico disse que deve sumir em algumas semanas.
- Mas foi do nada e já faz quase um mês.
- É, não é todo mundo que tem um coração igual ao seu.
Apesar de terem visto um ao outro pessoalmente apenas uma vez, falo tanto de Fernando pro Cid que ele já o conhece tão bem quanto eu.
- Será que ele vai voltar?
- Quer que eu fale a verdade ou o que você quer ouvir?
- Sempre a verdade, irmãozinho.
- Então tudo bem: Eu duvido, e você merece isso.
Meu coração se parte ainda mais, porque sei que é verdade.
- Eu sei, eu sei.
- Dê tempo ao tempo, homem. Quem sabe um milagre acontece?
Eu acho difícil e com certeza ele também, mas que outra opção tenho?
- Eu vou tentar.
- Cuida de ti, tá bom? Tenta não se destruir por aí.
Sorrio. Me destruir por aí é meu passatempo favorito e o Cid sempre detestou isso.
- É um pedido meio difícil, mas vou dar meu melhor.
- Acredito em você, Ciro. Posso dormir agora?
- Pode, cabra chato. - Digo, rindo - Boa noite.
- Boa noite, irmão. Amanhã, quando eu não estiver quase dormindo, falo contigo.
- Tá bom. Te amo, viu?
- Também te amo, seu otário.
Me sinto um pouco melhor quando ele desliga do que me sentia há dez minutos atrás; até resolvo catar as bitucas de cigarro do chão e jogar a garrafa de vinho vazia no lixo.
Infelizmente, não é o suficiente pra me impedir de passar o resto da noite remoendo o que perdi.
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Bom dia gente, houve uma pequena mudança
Pra compensar um pouco a pausa que estamos tirando da outra fic, adicionamos um novo capítulo bônus para essa, que agora terá 12 em vez de 11
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A Raposa e o Cordeiro (Ciro x Haddad)
Fanfic*Spin-off de Garoto Promissor, se passando 13 anos antes da fic principal* A nova aposta do Presidente Lula para o MEC, Fernando Haddad, se vê com algumas dificuldades de adaptação ao novo cargo. Como se já não fosse difícil o suficiente, outro mini...