Eu sei quem você é - pt. 1

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Setembro de 2005

Chego a pé no bloco do Ministério, me sentindo um pouco cansado. A noite passada não foi a primeira que passei quase sem dormir e infelizmente não será a última. O Presidente Lula, assim como Tarso, tinha me avisado que os primeiros meses seriam difíceis, mas isso está me sugando mais do que eu imaginava.

Paro um pouco antes de entrar no prédio, aproveitando o último momento de paz antes do dia tenso que sei que virá. O sol ainda está nascendo e o céu de Brasília assume sua característica cor castanha por trás da Esplanada dos Ministérios.

Assim que estou pronto para entrar, no entanto, sinto um característico cheiro de cigarro. Antes que possa virar para trás já sabendo quem vou encontrar, ele se revela.

- Bom dia, Fernando. Pensando na morte da bezerra?

Claro que é Ciro Gomes, o homem que tem ocupado minha mente por mais tempo do que sou capaz de admitir. Com seu pequeno sorriso irônico e um cigarro entre os dedos da mão esquerda, ele está exatamente como sempre.

Passamos a conversar com frequência depois do nosso encontro em frente ao gabinete do presidente. Fiquei feliz pela mudança de atitude dele, já que seu olhar de desdém me deixava extremamente desconfortável.

- Bom dia, Ciro. Estou pensando em como evitar a morte da educação brasileira, isso sim.

- Nossa, que profundo. - Ele ri. - Eu não te entendo, cabra... Parece que está sempre estressado. Por que não dá um tempo?

- Me surpreende que você consiga 'dar um tempo'. Esse não é um trabalho qualquer; influenciamos diretamente no progresso do país.

- Ainda somos pessoas de qualquer maneira. Desse jeito, tu não chega aos 50.

Ele dá uma tragada em seu cigarro, soprando a fumaça para cima. Fumando desse jeito ele também não chega muito longe, mas resolvo não falar nada. Sei que está tentando parar.

- O que você está fazendo aqui, afinal? - Pergunto, genuinamente curioso. - O seu bloco é bem longe daqui.

- Resolvi dar uma caminhada pela Esplanada. Um pouco de exercício pra compensar a quantidade exorbitante de toxinas que consumo por meio do cigarro.

- Eu sou um leigo na saúde, mas acho que isso não é o suficiente.

Ele dá risada.

- Eu sei que não, mas é melhor que nada, certo? Além disso, aproveitei a chance que tinha pra te ver.

Congelo. Em minha mente, só uma palavra aparece:

- Quê?

- Qual a dúvida?

- Eu sou casado, Ciro.

Ele, que já estava rindo, gargalha de minha perplexidade.

- Nossa, como você é careta. Qualquer coisa pra ti é gay? Eu só quero te chamar pra dar uma volta.

- N-não foi isso que eu quis dizer. Eu não tenho nada contra, nada mesmo... Você está flertando comigo ou é impressão minha?

A gargalhada dele soa ainda mais alto dessa vez. Me sinto totalmente perdido e dou o meu melhor pra atribuir o calor que sinto ao sol que lentamente nasce acima de nós.

- Credo, Fernando, você tem que abrir essa mente. Estava pensando em te chamar pra sair pra uma noitada! Relaxar um pouco, esquecer tudo isso... É só.

- Eu e você? De onde saiu essa ideia?

- Pra que pensar tanto, homem? Só responde: sim ou não?

Isso não é uma boa ideia por vários motivos:

1. Somos ministros, não podemos nos deixar levar por um devaneio que pode ferir nossa imagem.

2. Eu nunca gostei desse tipo de coisa. Não fumo, quase nunca bebo e não gosto de bagunça.

3. A última coisa que eu preciso agora é passar mais tempo que o necessário com esse homem.

Sabendo disso, a resposta óbvia é não.

- Sim. Quando podemos?

- Hoje mesmo! Que horas você acha que vai estar liberado?

- Não sei bem, meus horários nunca se cumprem. Eu te ligo.

- Por mim está ótimo. - Ele se vira para ir embora. - Se prepare, Fernandinho, porque essa noite vai ser boa.

Levanto uma sobrancelha.

- 'Fernandinho'?

- Combina com você.

E com isso, ele sai andando na direção do bloco do Ministério da Integração.

-//-

18h12

Quando saio do prédio do Ministério da Educação, o céu está da mesma cor que estava quando entrei. Dessa vez, o sol se põe e o clima começa a esfriar.

Resolvo ligar para Ciro avisando que saí.

- Alô? - Ouvir a voz dele no outro lado da linha quase me faz desistir, mas agora que já comecei essa loucura tenho que seguir adiante.

- Oi, Ciro. Acabei de sair do trabalho.

- Ahh, ótimo! Ainda tô meio enrolado aqui, mas até à noite vou estar ok. Que horas você quer ir?

- Eu... Não faço ideia.

- Como assim, homem? Você não sai, não?

- ... Não.

A risada dele soa do outro lado. Engulo em seco.

- E o mais velho sou eu! Ah, Fernandinho, você é um entretenimento e tanto.

Ele acabou de dizer que eu sou um entretenimento ou foi impressão minha?

- Vamos fazer assim - Ele continua, depois de rir. - Como você não tem carro, eu lhe busco umas 20h.

- Na minha casa?

- Onde você quiser. Se você tiver a impressão que eu vou roubar a sua casa se me der o endereço, então pode ser em outro lugar.

Ele ri de novo. Já ouvi tanto essa risada que o deboche por trás dela não me incomoda mais. Pelo contrário.

Com um suspiro, passo meu endereço para ele e marcamos de nos encontrar na minha casa às 20h30.

A Raposa e o Cordeiro (Ciro x Haddad)Onde histórias criam vida. Descubra agora