Silêncio

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10 dias depois

POV Haddad

- Amor? Tá vivo? - Minha esposa me cutuca, tentando me acordar.

Abro os olhos devagar, ainda tentando me situar. A primeira coisa que sinto é o cheiro do perfume dela, o que me faz sorrir um pouco.

- Tô. Que horas são?

- 5h18.

Um pouco atrasado. Era pra eu ter acordado 5h.

- Meu despertador não tocou?

- Tocou, mas você nem se mexeu. Fiquei preocupada até.

A exaustão faz coisas incríveis com as pessoas, não é mesmo? Principalmente se você acordou várias vezes de madrugada porque estava tendo pesadelos com o homem que não sai da sua mente há meses.

- É, eu tô muito cansado.

Ela se senta ao meu lado na cama e passa a mão no meu cabelo.

- Você precisa dar um tempo, Nando.

- Eu queria, nas não posso. Lutei muito pra estar aqui e tenho que continuar lutando pra me manter.

- Eu sei, querido. Só tente não se destruir.

Recebo um pequeno beijo na testa e então ela levanta pra fazer café. Ela é boa demais pra um traidor como eu.

Saio da cama com alguma dificuldade. Na mesa de canto, meu celular indica que há 7 chamadas perdidas de Ciro; apago todas elas do histórico antes que alguém veja (e também pra acabar com a tentação de ligar de volta).

Isso é bem menos que antes; em dias ruins, às vezes eu acordava e via 50 chamadas perdidas juntamente com um monte de mensagens na caixa postal. Cheguei a ouvir duas ou três mas apaguei o resto antes que ele me convencesse a ligar de volta.

Eu sei qual o jogo dele e também já conheço as peças que ele usa.

-//-

Quando chego ao Bloco L, o sol já nasceu e cai um chuvisco que é o suficiente pra encher minha roupa de gotinhas. Já planejo usar isso como desculpa pra tirar o paletó e a gravata quando chegar à minha sala.

Meus pensamentos são interrompidos, porém, pela visão de uma pessoa encostada na parede do Ministério da Educação. De cabeça baixa, pegando chuva e emitindo fumaça de cigarro pela boca, aquela figura é inconfundível.

Ciro.

Quando me vê, começa a andar na minha direção e eu paro. Ele para também.

Meu Deus, eu devo ser o homem mais azarado do mundo. Quando eu desisto de ir até ele, é ele que vem até mim.

Ele parece um pouco menor do que é, mas não sei porquê. Sem barba, ele parece mais velho, o que é algo que eu nunca tinha visto em uma pessoa. Está diferente da última vez que o vi.

Ao ver que não vou sair de onde estou, Ciro vem até mim. Me preparo pra ouvir um dos discursos vazios de arrependimento que ele sempre tem na manga.

- Oi. - É a única coisa que ele fala.

Fico até um pouco surpreso.

- Oi.

Ele não parece encontrar mais nada para dizer, então um silêncio desconfortável paira entre nós. O observo de cima a baixo. Aquele sorrisinho irônico não está em seu rosto; o cigarro que sempre está entre seus dedos da mão esquerda está quase apagando por causa da água.

- Por que você está fumando na chuva? - Pergunto.

- Não posso fumar lá dentro.

- Ah.

Silêncio. Ele olha pra mim, mas continua sem falar nada. Depois de quase dois minutos é que finalmente diz algo:

- Você ouviu meus recados?

- Não.

- É, eu imaginei.

Silêncio novamente. Olho no relógio e vejo que estou 45 minutos atrasado. Meu coração bate forte, mas me convenço que é por qualquer outra coisa que não seja esse homem que está bem na minha frente.

- Já tenho que entrar. - Aviso.

Como não recebo resposta, endireito a gravata e dou um passo para ir embora.

- Espera... - A palavra sai como um sussurro da boca dele ao mesmo tempo em que segura na minha mão.

- O que foi?

É quase como se eu tivesse levado um choque ao senti-lo tocando em mim depois de várias semanas e eu tenho que me esforçar para não tremer. Encontro uma grande dificuldade de olhar para ele, mas eventualmente consigo.

- Nada. - Ele responde, para logo em seguida soltar minha mão.

Sem mais nenhuma palavra, saio andando até o interior do Ministério.
Atravesso as salas e escadas como um raio, dizendo a todos que queriam falar comigo para que marcassem um horário mais tarde. Não posso me dar ao luxo de sofrer aqui na frente de todo mundo, especialmente não quando tenho recebido olhares extremamente suspeitos de algumas pessoas.

Minha secretária pessoal ainda não está em seu lugar quando alcanço meu gabinete. Apesar de ser um atraso bem considerável, agradeço silenciosamente ao céu; acho que não conseguiria falar com ninguém agora.

Assim que entro na minha sala, tranco a porta. Depois de tirar o paletó e a gravata, me sento no chão. Respiro fundo.

E então começo a chorar.

A Raposa e o Cordeiro (Ciro x Haddad)Onde histórias criam vida. Descubra agora