Vivendo de aparência

139 20 318
                                    

Costumo dizer que existia um Felipe Cortês antes do dia 30 de dezembro de 2015 e outro depois desta data.

Antes eu era feliz com a minha vida de professor de literatura, amava o pensamento de que eu estava ajudando a formar um cidadão e amava ensinar o que eu sei, porém hoje eu não consigo me imaginar trabalhando para ganhar tão pouco.

Professor é uma das profissões mais belas que existem porque é a única capaz de formar outras profissões, mas não é uma profissão valorizada aqui no Brasil, se o meu salário fosse bom, provavelmente não teria largado o meu emprego mesmo depois do que aconteceu. Poderia trabalhar por hobbie.

Antes do dia 30 de dezembro de 2015, eu não acreditava em sorte, porém a minha mulher me fez mudar de idéia. Lembro-me como se fosse hoje... :

"Amor, vamos jogar na Mega da virada?" Júlia me perguntou.

"Não tenho sorte para essas coisas. Você sabe disso." Cruzei os braços.

"Imagina se a gente ganhar? Isso pode mudar a nossa vida por definitivo! Eu marco metade dos números e você a outra metade. O que temos a perder?" Ela me olhou em um misto de expectativa e de animação tão grande que não pude negar isso para ela e aceitei.

Fizemos o jogo e quando saiu o resultado, fui conferir sem muita esperança, porém a cada número que saía eu ficava cada vez mais eufórico porque se tratava de mais um número em que correspondia ao jogo feito por mim e por ela.

Lembro-me do último número que saiu: -38 - , desde então tornou-se o meu número da sorte.

"38, Júlia! Estamos milionários!" A peguei no colo e a beijei de um modo apaixonado. Certamente, ela nunca me deu um sorriso tão belo e iluminado quanto naquele dia.

Pegamos o nosso prêmio, fizemos diversas viagens, conhecemos pessoas importantes, pedimos demissão do nosso emprego, aplicamos o nosso dinheiro, compramos carros e uma mansão em um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro.

Antes do dinheiro, eu achava que eu tinha uma vida feliz. Atualmente, percebo que eu não tinha uma vida, eu simplesmente existia.

Passou-se dois anos desde que eu e a minha mulher ganhamos o dinheiro e neste momento eu estou a contemplar a minha bela mulher na piscina bebendo Champanhe, exibindo todas aquelas curvas que me deixam louco e pensando em como darei a noticia para ela que o nosso contador acabou de me dar pelo celular: estamos falidos!

Eu não quero voltar a ser pobre, eu não quero voltar a ter a vida que eu tinha antes, não quero vender os meus patrimônios para conseguir dinheiro, eu não quero voltar a trabalhar e muito menos ver a minha mulher trabalhando de novo. Terminantemente, preciso dar um jeito de manter o padrão de vida em que possuo.

"Vem, amor! A água está ótima!" Júlia me chamou, forcei um sorriso, levantei da cadeira e entrei na piscina.

"O que houve? Você me parece tão estressado! Se quiser, eu posso chamar a massagista para vir aqui hoje." Júlia sugeriu.

"Não! Não precisa, é impressão sua! Eu estou bem." Forcei um sorriso.

Realmente eu estou precisando de uma boa massagem, mas para ter a massagem significa ter que gastar dinheiro e é tudo que não se pode fazer no momento. Eu devo evitar gastos supérfluos.

Seis histórias de casaisOnde histórias criam vida. Descubra agora